J. R. Guzzo- Fim do mundo
Política

J. R. Guzzo- Fim do mundo


VEJA

"Antes de ter um problema ecológico, o Brasil tem um problema sanitário; nossa verdadeira tragédia ambiental é o fato de que
50% da população não dispõe de rede de esgotos"

Estaria o mundo de hoje, e o Brasil junto com ele, se comprometendo com o que pode vir a ser a mais cara, obsessiva e mal informada ilusão científica da história? A humanidade já esteve convencida de que a Terra era plana, e que era possível prever matematicamente a extinção da vida humana por falta física de comida, já que a população cresceria sempre de forma geométrica e a produção de alimentos jamais poderia aumentar no mesmo ritmo; mais recentemente, grandes empresas, governos e ases da ciência digital acreditaram que o "bug do milênio" iria paralisar o mundo na passagem de 1999 para 2000. Não se pode dizer que a crescente convicção de que o planeta sofre hoje uma "ameaça sem precedentes" em toda a sua existência, como resultado direto da "mudança do clima", e particularmente do "aquecimento global", seja exatamente a mesma coisa. Mas às vésperas da abertura da grande conferência da ONU sobre o tema, que reunirá em Copenhague, agora em dezembro, 170 países e cerca de 8 000 cérebros, parece conveniente tentar estabelecer algum tipo de separação entre o que possam ser problemas reais e o que é uma espécie de culto psicótico ao fim do mundo. Previsivelmente, trata-se de tarefa com poucas chances de sucesso.

Há, em primeiro lugar, uma atitude cada vez mais ampla e cada vez mais agressiva estabelecendo que as pessoas têm, obrigatoriamente, de acreditar que o clima está mudando para pior e que a catástrofe é uma perspectiva não apenas indiscutível como iminente; dúvidas não são permitidas. Sair da reunião de Copenhague sem uma solução definitiva para o aquecimento global e as emissões mundiais de carbono "não é uma opção", pregam os organizadores da reunião e um chefe de estado depois do outro; é indispensável achar uma saída, e já, embora não se saiba qual. A ideia geral, em suma, é que o cidadão, ao sair de casa um dia desses, pode sofrer um ataque do efeito estufa e cair morto no meio da rua. A essa insistência em criar uma unanimidade de pensamento se acrescenta uma extensa mistura de mistificação, desinformação, pseudociência, demagogia, charlatanismo, fatos sem confirmação e números cuja veracidade não pode ser certificada. De maneira sistemática, fotos de terra rachada pela seca, que o Nordeste do Brasil conhece desde o tempo de dom Pedro II, são apresentadas como prova do aquecimento do planeta. O culpado final por tudo é o "consumo".

Políticos, governos e organizações internacionais, em vez de colocarem mais racionalidade no debate, contribuem ativamente para esse impulso crescente de autoflagelação. Um ano atrás, para ficar num exemplo só, a Inglaterra aprovou uma lei pela qual o país terá de cortar em 80% as suas emissões de carbono até o ano de 2050; ninguém faz a menor ideia de como isso vai se passar na prática. (De certo, nesse caso de combate extremado ao aquecimento global, houve o fato de que estava nevando no exato momento em que o Parlamento votava a lei - a primeira vez que nevou em Londres, num mês de outubro, nos últimos 74 anos.) Globalmente, verbas cada vez mais prodigiosas são anunciadas para salvar o planeta: 100 bilhões de dólares por ano em 2020, segundo cálculos de economistas que estarão presentes em Copenhague, ou até 1 trilhão - diferença muito reveladora da seriedade dessas contas todas. A maior parte desse dinheiro, segundo os discursos, deverá ser empregada para ajudar os países pobres a participar do combate ambiental e para que Brasil, Índia ou China sejam compensados das despesas que terão para deixar de ameaçar o mundo com o seu desenvolvimento.

A conferência de Copenhague tende a refletir, basicamente, um conjunto de neuroses, fantasias e necessidades políticas que se ligam muito mais aos países ricos do que à realidade brasileira; a agenda central é deles, com seus números, seus cientistas e até sua linguagem. O Brasil, em vez de reagir ao debate dos outros, faria melhor pensando primeiro em seus interesses. Para isso, precisaria saber o que quer. Parece bem claro que o país, antes de ter um problema ecológico, tem um problema sanitário; nossa verdadeira tragédia ambiental é o fato de que 50% da população não dispõe de rede de esgotos, ou de que dois terços dos esgotos são lançados nos rios sem tratamento nenhum. Na Amazônia, onde há o maior volume de água doce do mundo, a maioria da população não tem água decente para beber. Nas áreas pobres das cidades o lixo não é coletado - acaba em rios, represas ou na rua.

A questão ecológica real, no Brasil, chama-se pobreza.




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