Juros baixos e metas de inflação - MARCELO MITERHOF
Política

Juros baixos e metas de inflação - MARCELO MITERHOF





FOLHA DE SP - 06/09

Uma economia de juros baixos será auspiciosa, mas essa transição exigirá enfrentar alguns desafios

Apesar de o crescimento do PIB ter sido de apenas 0,41% no segundo trimestre, o alinhamento das principais variáveis macroeconômicas permite manter o otimismo.

As reservas internacionais de US$ 376 bilhões possibilitam atravessar a resistente crise financeira internacional sem problemas no balanço de pagamentos. No último ano, a produção local foi beneficiada por uma desvalorização cambial de mais de 25%, o que ocorreu com queda da inflação, que se estabilizou em pouco mais de 5% ao ano.

Os juros estão em seu patamar histórico mais baixo (Selic a 7,5%) e com tendência declinante. A situação fiscal continua confortável, apesar das desonerações recentes e da queda na arrecadação por conta da estagnação.

Tal cenário deverá permitir ao Brasil deixar para trás o padrão de juros altos com o qual convive desde a estabilização monetária. Uma economia de juros baixos será auspiciosa. Mas essa transição exigirá enfrentar alguns desafios.

O principal refere-se ao tripé de política macro, formado pelo câmbio flutuante, pelas metas de inflação e pelo superavit primário. Esse arranjo foi bem-sucedido em garantir que a economia brasileira fizesse uma primeira e arriscada transição após a estabilização monetária, que foi o abandono do câmbio fixo a partir de 1999.

A valorização dos principais produtos de exportação, propiciada pela emergência da China, em conjunto com as políticas sociais e de redistribuição de renda, permitiram ao Brasil experimentar a partir de 2004 a retomada do crescimento com baixa inflação.

Para tanto, foi decisiva a apreciação do real, também dada pela aquecida demanda externa. O crescimento do mercado interno, por sua vez, permitiu elevar a arrecadação. Assim, o arranjo se tornou virtuoso.

O problema ocorreu na indústria de transformação. Ela foi beneficiada pelo crescimento, mas boa parte de seus efeitos vazou para a importação de componentes, peças e partes. A valorização cambial enfraqueceu a solidariedade nas cadeias produtivas, esvaziadas na busca de reduções de custo.

A queda das taxas de juros deve mudar esse cenário. Primeiro, porque tornará as condições de financiamento privado de longo prazo em moeda local compatíveis com os retornos esperados dos investimentos produtivos. Segundo, os juros baixos devem manter um câmbio mais favorável à produção local e, terceiro, eles criarão incentivos para que as empresas brasileiras busquem o lucro através da inovação, o que fará com que o atraso tecnológico deixe de ser uma recorrente realidade. Mas esse cenário também romperá com as condições de sustentação do tripé macro.

A manutenção de altos superavit primários não é recomendável enquanto a crise internacional mantiver efeitos estagnacionistas. Isso não deve ser um problema, pois a redução dos juros faz com que a necessidade de gerar receitas para pagar os credores do governo diminua.

No entanto, até completar a convergência ao padrão internacional, o país terá que enfrentar algo que está na natureza do regime brasileiro de metas de inflação: a queda dos juros depende de um esforço fiscal contracionista, já que o regime se baseia no "gap" de capacidade produtiva implícito no cálculo do "PIB potencial".

Nesse sentido, a crise pode ser uma oportunidade, pois o prolongado choque deflacionário externo tende a facilitar a conciliação de pressões inflacionárias internas com o respeito ao regime de metas. Ainda assim, o aperfeiçoamento do regime poderá ser necessário.

As mudanças são conhecidas: por exemplo, adoção do "núcleo de inflação", de forma a tornar o regime de metas menos sensível a mudanças sazonais de preços relativos, e a adoção de períodos mais longos para a convergência à meta, que não precisa ser anual, pois os efeitos da política monetária são mais lentos.

Tal debate há muito existe na academia e deve ganhar a sociedade. Pessoalmente, acho que a perseguição de metas de inflação não precisa ser explícita, o que favoreceria a conjugação de crescimento com estabilidade.

A boa notícia é que o Banco Central há um ano enfrentou a sabedoria econômica convencional quando iniciou a redução dos juros frente à recidiva da crise internacional. Antes, foi hábil ao criar as medidas macroprudenciais como forma de mitigar as necessidades de aumento dos juros. O BC tem credibilidade para fazer a melhor transição.




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