Em janeiro passado, líderes políticos, intelectuais e especialistas de variada origem se reuniram em Paris no simpósio "Novo mundo, novo capitalismo", coliderado pelo ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair e pelo presidente francês Nicolas Sarkozy. O objetivo foi discutir a crise financeira, avaliar o capitalismo e a globalização e explorar caminhos para reformar o sistema financeiro.
O simpósio inspirou o indiano Amartya Sen, prêmio Nobel de Economia de 1998, a escrever instigante artigo sobre a evolução do capitalismo. Para ele, a crise não requer um "novo capitalismo", mas a reinterpretação de velhas ideias e instituições para produzir um mundo mais decente. O texto está em www.nybooks.com/articles/22490.
O termo "capitalismo" não foi inventado por Adam Smith, como se pensa. A ele coube a primazia de teorizar sobre a economia de mercado, assinalando o papel da moral e das liberdades individuais na construção de uma sociedade próspera. O termo teria sido utilizado pela primeira vez por Karl Marx para descrever pejorativamente a "elite da sociedade burguesa", que possuía e controlava os "recursos de capital da sociedade".
Formas primitivas de capitalismo já existiam nas civilizações do Crescente Fértil, dos fenícios e dos impérios teocráticos fundamentados na agricultura. O Velho Testamento fala no mercado de escravos (a venda de José a mercadores egípcios). No Novo Testamento, Cristo expulsa os vendilhões do templo, indignado com o uso da casa de Deus para a compra e venda de mercadorias (o capitalismo da época).
O que Smith detectou e Marx condenou foi a novidade surgida de transformações institucionais como a Revolução Gloriosa inglesa de 1688: o sistema capitalista sustentado por instituições. A lei prevalece sobre o arbítrio dos reis. Direitos de propriedade e respeito aos contratos são garantidos por um Judiciário independente.
Além do impulso que recebeu de tais mudanças, o capitalismo foi também turbinado por outras transformações criadoras de incentivos para o investimento e os negócios. Incertezas viraram riscos, que podem ser calculados. A ciência e a tecnologia avançaram com a queda de dogmas religiosos. A criação da polícia, começando na Inglaterra, aumentou a segurança. Os holandeses e os ingleses inventaram o atual sistema financeiro, que viabilizou a Revolução Industrial.
Estado e mercado são os irmãos siameses do capitalismo moderno. A partir do século XIX, essa convivência se acentuou com o advento da democracia, da regulação e da intervenção estatal para corrigir falhas de mercado. A aceitação dos resultados do capitalismo demandou políticas públicas para assegurar o acesso dos pobres à educação, à saúde e a uma renda mínima. O bem-estar geral se ampliou.
É pura parvoíce, pois, explicar a crise por um suposto afastamento do estado de seu papel na economia. Perdem tempo os segmentos da esquerda que prognosticam o retorno da intervenção estatal de outros tempos. A não ser por equívoco, não há como ressuscitar o controle de capitais, a estatização de serviços de infraestrutura, os tabelamentos e outras ações estatais cujo fracasso determinou seu sepultamento.
Os debates em curso dizem respeito a uma nova regulação do sistema financeiro, de modo a coibir práticas que levaram à crise. O objetivo é restituir ou reforçar a função essencial do sistema, que é direcionar os recursos da sociedade aos fins mais produtivos. Buscar-se-á evitar regulação castradora do processo de inovação.
Não há alternativa ao sistema capitalista. Nenhum outro libera tanto as energias produtivas da sociedade nem o supera na geração de renda, emprego e bem-estar. Que o digam Cuba e Coreia do Norte. Ao longo do tempo, o capitalismo mostrou capacidade de aprender lições, de se reinventar, de superar crises e de sobreviver aos seus críticos, principalmente Marx e seus seguidores.
Sejam quais forem as mudanças para regular o sistema financeiro e criar "um mundo mais decente", a natureza do sistema econômico não mudará. A ideia é renovar o capitalismo, e não trazer de volta o que não deu certo, menos ainda o socialismo ou sua versão bufa, a da Venezuela de Chávez.