Foi grande ontem o comparecimento dos bancos europeus à segunda
megaoperação de crédito barato promovida pelo Banco Central Europeu
(BCE).
Desta vez, nada menos que 800 bancos tomaram 529,5 bilhões de euros em
empréstimos, por três anos, dentro das condições da Operação de
Refinanciamento de Longo Prazo (LTRO, na sigla em inglês).
Para as instituições financeiras europeias, é mamão com açúcar.
Poderão agora aplicar esse capital (pelo qual pagarão juros de apenas
1% ao ano) em títulos dos países do euro que lhes renderão, no mole,
juros de 3%, 4% ou 5% ao ano. Até recentemente, um banco que se
atirasse ao crédito fácil junto ao banco central de seu país era visto
com suspeita, porque indicava problemas patrimoniais. Pois até esse
estigma parece ter sido removido depois que, encorajados pelo BCE,
bancos reconhecidamente sólidos admitiram ter recorrido a esse guichê.
Só nas duas operações desse tipo - a de ontem e a de 21 de dezembro -
o BCE, presidido pelo italiano Mario Draghi (foto), despejou mais de 1
trilhão de euros. O objetivo é proporcionar abundância de recursos
que, em seguida, vão disputar a compra de títulos que vierem a ser
colocados no mercado para dar cobertura a déficits e, assim, ajudarão
a derrubar os juros de longo prazo - cuja alta vinha tirando
sustentação das dívidas públicas da área do euro (veja o Confira).
Desde 2008, o BCE emitiu nada menos que 3,2 trilhões de euros para
tirar o fôlego da crise. Mas esses mecanismos não resolvem os enormes
problemas que estão nos fundamentos do euro; apenas desmontam fatores
imediatos de pânico que uma quebra em cadeia dos bancos provocaria.
Nessas condições, ajudam a ganhar tempo que pode, em princípio, ser
aproveitado pelas autoridades para encaminhar soluções de fundo.
O BCE corre dois grandes riscos: primeiro, o de provocar inflação, que
poderia vir na cauda dessas enormes emissões de moeda; segundo, perder
certa dose de credibilidade. Explica-se: como garantia desses
empréstimos de três anos, o BCE passou a aceitar títulos públicos e
privados de dívida cuja qualidade levanta reservas no mercado.
Essas operações do BCE somam-se às equivalentes do Federal Reserve
(Fed, o banco central dos Estados Unidos), do Banco da Inglaterra e do
Banco do Japão na produção de importantes efeitos colaterais. Geram
enorme liquidez (abundância de dinheiro). Se somente um grande banco
central recorresse a elas, o efeito da desvalorização de sua própria
moeda seria mais visível. No entanto, como todos eles estão emitindo,
as desvalorizações em boa parte se anulam quando comparadas entre si -
e arrastam também o yuan da China, que tem suas cotações amarradas à
do dólar. É o grande jogo global das moedas que o ministro da Fazenda
do Brasil, Guido Mantega, está chamando de guerra cambial.
Como já analisado nesta Coluna em outros momentos, do ponto de vista
do Brasil essa megainjeção de moeda nos mercados já provocou - e tende
a continuar provocando - valorização do real (baixa do dólar), porque
o Banco Central brasileiro não tem capacidade de contra-ataque que
evite inflação imediata nas proporções que neutralizariam essa
consequência.