Com a operação de ontem, o Banco Central Europeu injetou 1 trilhão no
sistema financeiro em três meses. Os bancos tomaram o dinheiro
emprestado e isso diminuiu a desconfiança entre eles. Uma parte dos
recursos será usada para comprar títulos dos países em crise, o que
diminuirá o custo da dívida dos governos. O problema é que o dinheiro
barato buscará rentabilidade em vários mercados, aumentando a chance
de formação de bolhas.
O BCE espera por três coisas ao colocar mais dinheiro na mão dos
bancos: que eles melhorem seus balanços, evitando a desconfiança entre
eles e uma crise no sistema financeiro; que usem parte dos recursos
para comprar títulos dos governos da região; e que repassem o crédito
à iniciativa privada, estimulando investimentos das empresas e consumo
das famílias. Dos três objetivos, os dois primeiros, de fato, parecem
estar acontecendo. A ameaça de uma crise financeira na Europa ficou
menor nos últimos meses, as taxas de juros do interbancário caíram. Ao
mesmo tempo, os juros pagos pelos governos da Europa para rolagem de
dívidas ficaram menores. E isso é bom principalmente para os casos de
Espanha e Itália, duas economias grandes demais para serem socorridas.
Mas a indução do crescimento via aumento de crédito não está
acontecendo. A demanda na Zona do Euro está fraca, o desemprego está
alto, com média de 10,4%, seis países da região estão em recessão, e o
mercado já está inundado de liquidez. Não há apetite por mais dívidas
e os bancos estão preferindo manter o dinheiro em caixa.
José Júlio Senna, da MCM consultores, explica que o BCE foi obrigado a
flexibilizar as exigências de garantias para os empréstimos, para que
mais bancos pudessem participar da operação. Isso tirou do radar dos
investidores o risco de quebra de alguma instituição e aumentou o
apetite por risco nos mercados:
- Os governos da região ganham mais tempo para fazer os ajustes que
têm que fazer, como privatizações, corte de salários de funcionários
públicos, mudanças nas legislações, aumento da idade das
aposentadorias. Mas a operação não muda a essência do problema
europeu, que é de um estoque muito grande de dívida por parte dos
governos dentro de um ambiente de recessão. Ainda estamos a uma longa
distância da linha de chegada.
O estrategista da Pentágono Asset, Marcelo Ribeiro, acredita que a
medida não irá resolver o problema de baixa competitividade de vários
países da região. Também aponta uma série de riscos que serão
contratos para o futuro.
- O grande risco da operação é o excesso de liquidez que será gerado.
A Europa tem muitos países com problemas, e os bancos vão pegar esse
dinheiro para comprar títulos desses governos. Os juros vão cair,
dando a impressão de que o risco ficou menor. Mas na verdade ele
continua lá. Teremos uma melhora aparente, que acontecerá via indução
monetária. Além disso, haverá um descolamento ainda maior entre ativos
financeiros e a economia real. O lucro das empresas continuará baixo,
o desemprego continuará alto - explicou.
Newton Rosa, da Sul América Investimentos, ainda não vê um risco
iminente de bolhas porque o mundo está crescendo pouco e não há espaço
para a valorização forte dos ativos. Mas diz que os bancos centrais
terão o enorme desafio de saber quando toda essa liquidez terá que ser
recolhida.
- Essa discussão já está acontecendo dentro do Fed, o banco central
americano. Alguns dos seus membros estão votando pelo aumento de juros
e pelas restrições das políticas monetárias. A dificuldade dos bancos
centrais será saber quando reverter essa política - disse.
A operação de ontem do BCE é mais uma das várias operações das
autoridades monetárias na mesma linha: uma superexpansão de crédito
num mundo já de juros em torno de zero, para através dessas ações
evitar o pior da crise. Isso funciona num primeiro momento, mas depois
o mercado começa a exigir mais e mais injeções monetárias. Cada evento
desses tem um efeito menor e mais curto. E novas enxurradas monetárias
são exigidas. Todo esse dinheiro reduz os efeitos da crise, mas começa
a causar desequilíbrios como a formação de bolhas ou a distorção em
preços de ativos.
Na maioria das economias emergentes as moedas estão ficando muito
valorizadas, como no Brasil. Para piorar um quadro já complexo, a
China não tem câmbio flutuante. Isso faz com que o maior exportador do
mundo tenha a vantagem de um anabolizante cambial tornando seus
produtos mais competitivos do que normalmente já seriam. O comércio
internacional passa a ser impactado diretamente por toda essa
alteração artificial dos preços das moedas.
No momento de desespero, quando houve o colapso do Lehman Brothers, em
2008, havia necessidade dessa expansão monetária para evitar que
aquela crise aguda de confiança entre os bancos provocasse uma queda
em dominó de instituições financeiras. Agora, há uma crise fiscal
crônica e de superendividamento. O que houve ontem foi a administração
de mais um pouco da droga para um organismo que já está ficando
viciado. Até agora, os maiores bancos centrais do mundo - Fed, BCE,
Banco do Japão e da Inglaterra - ofereceram aos bancos em ajuda de
liquidez mais de US$ 5 trilhões.