Política
Miriam Leitão Clube da esquina
O GLOBO
Amagerbro. Esse é o nome da primeira estação de metrô no meu caminho para o Bella Center, local da COP-15. É inevitável lembrar de Armageddon. Em Copenhague, o que se discute tem como pano de fundo cenários de catástrofes. Manifestantes gritam urgências e encenam desastres. Ilhas desesperadas param o plenário, países africanos avisam que estão condenados.
onde você é? — perguntei ao manifestante verde.
A cada momento pode começar uma manifestação no Bella Center. Eles se vestem com roupas estranhas, se pintam de cores fortes, se fantasiam. São performáticos.
Esse grupo pintou o rosto, as mãos de verde e enfiou-se em enormes macacões brancos.
— Do espaço — me respondeu com uma expressão robótica.
Na verdade, descobri, eram japoneses. A gente pode encontrar japoneses verdes que alegam que vêm do espaço, ou tropeçar com poderosos como Todd Stern, o negociador americano, no mesmo pátio que fica entre o Media Center e as salas de reunião.
Jornalistas não dão muita atenção às reuniões plenárias da Conferência. Normalmente, é lugar de discursos em que se misturam o formalismo e o jargão diplomático.
Mesmo assim, quis ver uma.
E foi assim que vi o inusitado caso de Tuvalu. Houve um momento do impasse, em que a presidente da Conferência, Connie Hedegaard, pediu um tempo para discutir “na esquina”. Todos foram para um canto do enorme salão e fizeram uma roda em torno de Connie. Debate intenso sobre Tuvalu, o mundo inteiro rodeando o caso da ilha. Mas nada se resolveu. E Tuvalu deu esse nó no plenário porque fez uma boa estratégia regimental.
As pequenas ilhas compensam a fragilidade extrema com a formação de uma burocracia bem preparada para brigar nas COPs. Organizaramse numa associação que tem um nome quase perfeito para descrever o paraíso que algumas delas ainda são: Aosis (Alliance of Small Island States). Esses países-ilhas membros da Aosis apresentaram aqui a mais coerente, bem estruturada e racional proposta de texto final. Não será aceito, mas pode ser parâmetro. Quando se quer saber se um projeto é ruim, basta comparar com o banho de lucidez que está na proposta das pequenas ilhas.
Elas querem que o mundo lute por um objetivo mais ousado. Em vez de limitar em dois graus centígrados a temperatura da Terra, limitar em um e meio. Para isso, será preciso recuar dos atuais níveis de carbono já estocado na atmosfera. Querem que todos contribuam com cortes de emissões e com recursos, aperfeiçoem todos os mecanismos já propostos. Se o mundo tivesse um ataque de lucidez, ouviria a Aosis.
Na rotina do debate sobre mudança climática, todos se acostumaram com um mundo de siglas. Ninguém fala Protocolo de Kioto, é KP. Ninguém fala em ações nacionais de redução da emissão.
São Namas. O grupo de trabalho que está preparando o documento final é AWG-LCA. Um jornalista pergunta para o embaixador brasileiro: — O CCS pode ficar dentro do CDM? CCS é a tecnologia de retirada de carbono do carvão para estocar esse veneno no subsolo para sempre.
O lobby do carvão adora o CCS e defende como possível o que ainda está em escala pequena, não devidamente testada, mas já suficientemente temida.
Paul Ekins, professor inglês de energia, me disse quando estive em Londres: — Essa estocagem é para sempre.
Achei “para sempre” um tempo longo demais para estocar na terra exatamente o que está arriscando nosso futuro. Pôr o CCS no CDM é aceitar financiar isso através do sistema de crédito de carbono.
Atrás das siglas moram perigos, dramas, possibilidade, arquiteturas de negociação, motivo de brigas entre delegações. O que se discute é dramático, mas tudo fica descarnado quando se empilham as siglas, os números, os percentuais.
Nessa primeira semana da COP ficaram claros os pontos de discórdia. Os países do Anexo I — assim são definidos os que têm metas obrigatórias — não querem a continuação do Protocolo de Kioto. De fato, Kioto tem o enorme defeito de não incluir os Estados Unidos, que não ratificou o acordo. Não tem metas também para países que, desde que ele foi escrito, aumentaram muito suas emissões, como China, Índia e Brasil. Mas, principalmente, o tratado não conseguiu deter o aumento das emissões. É ruim. A delegação brasileira argumenta: sem Kioto, o mundo enfrentará insegurança jurídica. Essa é a única moldura legal que se construiu. Ele é imperfeito, mas é o que existe.
Inevitável mexer nele, mas não se pode desmontá-lo.
Exatamente agora, porém, é a hora de discutir a prorrogação das metas para além de 2012. Isso acontece no AWG-KP, um outro plenário em que todos os países se reúnem para discutir a nova lista de compromissos. Esta semana, enquanto a COP, em transe, discutia o documento final desta reunião e o plenário parava por causa de Tuvalu, no AWG-KP, a briga corria solta. É uma luta de vida ou morte. Os países em desenvolvimento querem mantê-lo vivo, os países desenvolvidos querem acabar com ele. Os países-ilhas também preferem um novo acordo, maior, mais ousado, mas aceitam qualquer coisa que evite o desastre previsto.
As ONGs jogam um papel central nas COPs. Com técnicos competentes, informações rápidas, influência, elas ajudam a mexer as pedras no tabuleiro da negociação.
No Media Center, eles não podem entrar, mas, de repente, vi um inglês de uma grande ONG parado na minha frente. Ele me entregou o documento que eu estava procurando. Perguntei como ele tinha entrado.
“Pelo banheiro dos homens”, que tem uma entrada pelo lobby. Tudo acontece numa COP. E foi só a primeira semana.
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