O governo brasileiro passou mais uma trava na porta da mesma
tecnologia: aumentou o prazo para que o capital estrangeiro possa
ficar livre do IOF. Antes, empréstimo com vencimento abaixo de 90 dias
pagava imposto. Em março passado, foi para um ano; em abril, dois
anos; em julho, foi criado o imposto sobre derivativos. Ontem, o prazo
foi de novo ampliado, para três anos. O país tenta em vão conter a
enxurrada de dólares.
O gráfico abaixo foi elaborado pela consultoria inglesa Capital
Economics e mostra todas as vezes em que o governo baixou alguma
medida para impedir a valorização do real. Vejam que, apesar de todas
as intervenções, o real continuou se valorizando, até que a crise na
Zona do Euro ficou mais forte, por volta de setembro de 2011, e a
moeda brasileira se desvalorizou muito rapidamente.
O economista Alexandre Schwartsman, da Schwartsman e Associados,
acredita que as medidas do governo não têm efeito sobre a taxa de
câmbio e acontecem apenas para mostrar que algo está sendo feito.
Segundo ele, o que realmente importa para definir a cotação do real é
a relação do dólar perante uma cesta de moedas internacionais e o
preço das commodities que o Brasil exporta.
- Quando o dólar se desvaloriza em relação ao euro, ele também perde
valor em relação a uma cesta de moedas de países emergentes. É um
fenômeno que não acontece apenas com o real. Já em relação às
commodities, o Brasil é um exportador líquido, e isso quer dizer que
quando o preço delas fica mais alto, mais dólares vêm para o país -
explicou Alexandre.
De fato, os números mostram que a valorização do real não é caso
isolado. Em relação ao peso mexicano, por exemplo, a desvalorização do
dólar é de 8,58% este ano, maior do que os 8,4% de perda frente o
real. A moeda americana também cai 7,82% sobre o rand sul-africano;
7,29% em relação ao dólar neozelandês; e 5,42% sobre o dólar
australiano. Ou seja, a nossa moeda tem o mesmo comportamento que a de
outros países, principalmente dos que são exportadores de
matérias-primas.
O que realmente acontece é que em momentos de relativa tranquilidade
na economia mundial a moeda americana se desvaloriza. Em agosto de
2008, por exemplo, antes do estouro da crise internacional e de toda a
expansão monetária feita pelos banco centrais para combater a crise, o
dólar chegou a ser cotado a R$ 1,55, no dia 1 de agosto.
Schwartsman questiona o conceito de guerra cambial anunciado pelo
governo. Explica que a ação do Banco Central Europeu (BCE) de emitir
mais euros não teve como objetivo desvalorizar a moeda, mas sim evitar
que houvesse a quebra de alguma instituição financeira na Zona do
Euro, que provocasse uma crise sistêmica.
- Quando o BCE aumentou a base monetária, o efeito foi de valorizar o
euro, e não desvalorizar. O euro estava se desvalorizando com o
crescimento da crise e a desconfiança sobre a Zona do Euro. Quando o
BCE afastou o risco de quebra de algum banco, o euro voltou a ser uma
moeda atrativa e se valorizou em relação ao dólar. É exatamente o
contrário - disse.
De uma forma geral, a reação do mercado sobre a medida do governo foi
de descrença. O Departamento de Estudos Econômicos do Bradesco, por
exemplo, acredita que novas medidas serão anunciadas, mas que ainda
assim a tendência será de valorização da moeda brasileira.
"Tal medida e os sinais de que o governo pode intervir de outras
formas sobre o mercado cambial podem minimizar a pressão de curto
prazo para a valorização do real. Contudo, continuamos acreditando que
os fundamentos apontam na direção de um câmbio mais apreciado do que
no nível atual, diante da liquidez mundial abundante", disse o banco
em relatório.
A valorização do real tem efeitos benéficos porque estimula os
investimentos. Schwartsman lembra que os investimentos no Brasil estão
num nível baixo, na casa de 18% do PIB, e que essa taxa seria ainda
mais baixa se a moeda fosse desvalorizada:
- Só existem três formas de levantar recursos para investir: o governo
corta gastos e faz poupança; os consumidores cortam gastos e fazem
poupança; toma-se poupança de outros países. Como no Brasil o governo
aumenta os gastos e estimula também as compras dos consumidores, só
sobra a poupança externa. É por isso que temos um déficit em conta
corrente de cerca de US$ 50 bilhões.
Diante de um quadro de relativa impotência sobre o câmbio, o governo
deveria trabalhar para dar mais condições de competitividade para a
indústria, que é quem mais sofre com a concorrência dos importados e
as dificuldades em exportar. Mas até a indústria se beneficia em parte
da alta do real porque pode importar máquinas que aumentam a
produtividade. O comércio também agradece o fortalecimento da moeda,
porque isso facilita importações e aumenta a concorrência entre os
seus fornecedores.