Míriam Leitão Janela da crise
Política

Míriam Leitão Janela da crise



Despencaram 70% as compras internas de minério de ferro, e as encomendas dos clientes da Vale no exterior pararam nesta virada do ano. A indústria siderúrgica está voltando das férias coletivas, sem encomendas. O comércio dificilmente fará novos pedidos à indústria em janeiro. Nos Estados Unidos, a esperança é o pacote a ser feito por um governo que ainda não assumiu.

O senador José Sarney escreveu que, da janela da casa dele em São Luís, costumava contar mais de 30 navios fundeados na Baía de São Marcos, que iam para o Porto de Madeira ou Itaqui. Em geral, eram navios de minério de ferro. Pelo Maranhão são exportadas 110 milhões de toneladas de minério. No fim do ano, foi olhar e não viu nenhum.

O que o senador não viu da sua janela é o que aflige uma empresa como a Vale, maior exportadora líquida do Brasil. Seus maiores clientes estão todos com problemas: a indiano-europeia ArcelorMittal e a indiana Tata não estão comprando nada; a China está usando seu estoque; e a indústria brasileira não sabe para onde vai. Claro que não será assim para sempre, mas a crise chegou quando as siderúrgicas estavam apostando em forte crescimento e, por isso, estavam estocadas de minério.

A indústria siderúrgica está voltando das férias coletivas neste início de janeiro. Ontem, a CSN confirmou que demitiu cerca de 300 funcionários, mas no mercado estima-se que as demissões cheguem a 400. Algumas empresas tinham antecipado paralisações de fornos para manutenção, mas agora não sabem quando e se vão ser religados. O mercado interno já tinha virado a salvação do setor quando o mercado externo começou a fraquejar, mas agora há uma paralisia aqui também, como diz o vice-presidente do Instituto Brasileiro de Siderurgia, Marco Polo Mello Lopes

“Os grandes clientes são a indústria automobilística, o setor de construção civil e o de máquinas e equipamentos. A perspectiva de todos os três é um ponto de interrogação monumental.”

A Vale está fazendo visitas a pequenas siderúrgicas chinesas, que antes não constavam da sua lista de clientes, oferecendo seu produto, porque as grandes estão paradas. A paralisia tem a ver também com a renegociação de preço em andamento. A China vinha direcionando para a América Latina o que não conseguia vender aos mercados europeu e americano.

“De janeiro a agosto, a China aumentou em 51% as vendas de produtos siderúrgicos para a América Latina, enquanto no resto do mundo a queda havia sido de 30% no começo de 2008”, conta Marco Polo.

Ou seja, a crise demorou a chegar aqui, e por isso a região era o refúgio. Para a indústria siderúrgica brasileira, também o mercado interno tem sido o último refúgio.

“As exportações caíram de 10,3 milhões de toneladas para 9 milhões, de 2007 para 2008. É bem verdade que, em valor, elas subiram de US$ 6,6 bilhões em 2007 para US$ 7,9 bi. No mercado interno, a indústria vendeu 20 milhões de toneladas em 2007 e 22 milhões no ano passado, mas o previsto eram 23 milhões.”

Em novembro, as vendas da siderurgia caíram 30%. Mesmo assim, o setor termina o ano com 1,1% de crescimento, mas vendeu em 2008 quase três milhões de toneladas a menos do que tinha previsto.

A crise está aí instalada na frente da janela. O país está a ver navios. E eles não estão fundeados esperando para sair pelos portos em direção aos nossos compradores. Aqui dentro também não há muita esperança neste começo de ano, seja qual for o setor. O comércio está prevendo que este janeiro será de queima de estoques e não se preveem grandes encomendas à indústria.

“Enquanto não vender, o comerciante não vai encomendar. Já há lojistas dizendo que no mês de janeiro não haverá novos pedidos. Normalmente, as liquidações pós-Natal são de produtos que ficaram no mostruário. Mas, este ano, os lojistas estão tendo de vender o que ficou estocado” diz o economista da ACSP Emílio Alfieri.

A crise está afetando o comércio de forma diferenciada. O setor de baixo preço vendeu bastante. Mesmo assim, a tendência agora é se desfazer dos estoques e comprar moderadamente.

Este começo de 2009 será de testar os nervos. Os números ruins do ano passado ainda não foram todos divulgados. Hoje sai a produção industrial de novembro, que pode ter uma queda de 5% ou mais. A esperança de recuperação é apenas para o segundo semestre; agora é a hora da descida da produção e das vendas.

Os EUA vivem agarrados à esperança de um governo que ainda não foi empossado, mas cujos atos estão tendo cobertura da imprensa como se já fosse governo efetivo. Ontem, anunciou-se que o corte de impostos do pacote de Barack Obama será de US$ 300 bilhões, maior do que a do primeiro ano do governo Bush, e desta vez destinado à classe média e aos compradores de imóveis que não conseguem pagar a hipoteca.

A indústria americana pede mais protecionismo. O setor siderúrgico americano, que é tido como ineficiente e obsoleto, quer que seja feita mais uma campanha “made in America”. A indústria siderúrgica brasileira também quer proteção contra a China, o país que mais compra da Vale. E, assim, a janela da produção vai se fechando.

Com Leonardo Zanelli




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