Política
Míriam Leitão O dragão na porta
e Alvaro Gribel
No primeiro semestre, o superávit comercial do Brasil com a China aumentou 96%. Nossas exportações continuam concentradas em matérias-primas que aumentaram de preço: minério de ferro, soja e petróleo. A indústria é prejudicada pela competição desleal chinesa, via moeda desvalorizada, mas também se beneficia de importações baratas de insumos, componentes eletrônicos e bens de capital.
A China, afinal, é aliada ou competidora? O presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), embaixador Luiz Augusto de Castro Neves, me disse numa entrevista recente que os chineses são as duas coisas.
— A China é competidora e aliada. Graças a ela, as commodities estão com preços altos. A China também tem mantido preços industriais baixos, e isso permite ao Brasil importar bens de capital, insumos e equipamentos para renovar nosso parque industrial — disse.
Mais de 85% de tudo o que o Brasil exporta para a China estão em três produtos: minério de ferro, soja e petróleo. De janeiro a junho, o minério gerou mais de US$ 8,5 bilhões em receita; a soja, mais de US$ 6 bi; e o petróleo, US$ 2,5 bi. O único produto manufaturado entre os 10 primeiros são os aviões da Embraer, que surgem em nono, com 0,81% da pauta. Pelo lado chinês, predominam componentes eletrônicos para celulares, televisores, telas para computadores, ar-condicionado, dispositivos de cristais líquidos, circuitos integrados, automóveis. Para mostrar o grau de diversificação, os 10 maiores representam apenas 15% (vejam no gráfico).
Tang Wei, diretor da Câmara Brasil-China de Desenvolvimento Econômico (CBCDE), acha que a China é mais aliada do que competidora. Ele lembra que o Brasil tem um dever de casa para fazer.
— O problema do Brasil é que a riqueza criada pelas commodities não foi aplicada na infraestrutura. Desde que cheguei ao país, há 23 anos, ouço falar que os grandes gargalos da exportação são os portos. Até hoje estamos falando isso — alfinetou.
Ainda assim, o superávit do Brasil com os chineses aumentou no primeiro semestre, indo a US$ 5,3 bi, porque os preços dispararam pela própria demanda chinesa.
— Mas nossa pauta é concentrada. A deles, diversificada, com produtos industrializados — diz José Augusto de Castro, da AEB.
A indústria reclama da China, apesar de comprar de lá componentes, máquinas e equipamentos. Diz que está perdendo espaço no PIB porque os produtos chineses chegam ao país com câmbio artificialmente desvalorizado; a mão de obra chinesa é barata pela falta de proteção trabalhista; e eles fazem pirataria. Tudo é em parte verdade. A Associação Brasileira da Indústria Têxtil, um dos setores que mais sofrem, diz que o déficit comercial do setor chegará a US$ 5,2 bi este ano, com aumento de 48%.
- No primeiro semestre, metade dos têxteis importados veio da China, fora o que veio por triangulação em outros países. No vestuário, 70% dos importados são chineses. Muitos chegam aos portos fora dos padrões técnicos. Como não temos boa estrutura alfandegária, eles entram no país — diz Fernando Pimentel, diretor da Abit.
Tang Wei argumenta que o que está sendo apresentado como triangulação, na verdade, são empresas chinesas em processo de internacionalização:
— A mão de obra da China está ficando cara e as empresas chinesas estão abrindo filiais em países com condições melhores, como Malásia, Indonésia, Vietnã. Não é tudo triangulação.
As importações de aço caíram 36% no primeiro semestre, mas o presidente-executivo do Instituto Aço Brasil, Marco Polo de Mello Lopes, diz que é porque os estoques estão elevados. Acha que a China ainda ameaça o setor:
— Todos os componentes que sustentaram as importações continuam: iuan desvalorizado; real valorizado; guerra fiscal entre estados. O mundo tem excedente de produção de 530 milhões de toneladas de aço. Grande parte, chinês, que direciona produtos para o Brasil.
A CNI se preocupa com a China, mas acha que os verdadeiros problemas são bem brasileiros.
— Os impostos são a principal reclamação há muito tempo. Entre as grandes empresas, a taxa de câmbio aparece em 4 lugar; entre as médias, em 7 ; entre as pequenas, em 11 . Nossos custos de energia já estão entre os mais altos do mundo. A infraestrutura não melhora, os aeroportos estão entupidos; as estradas, ruins; a malha ferroviária é curta e antiga. Reduzir o custo do transporte é mais relevante do que qualquer outra coisa — diz Renato da Fonseca, gerente de Pesquisa da CNI.
Na verdade, competidora ou aliada, a China é o parceiro inevitável que precisa ser entendido.
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