Política
Miriam Leitão Risco nacional
O GLOBO
A ministra Dilma Rousseff tem razão: nacionalista não é xingamento. O sentimento de amor à pátria é bom. Mas há perigos sobre os quais a ministra não falou: o da manipulação e uso político do nacionalismo; a apropriação pelo governo do sentimento de pátria como se pertencesse a um grupo político. Foi isso que se viu no lançamento do présal e no modelo de exploração.
O histriônico discurso da nova independência do Brasil, as criticas à oposição e o palanque para a sua candidata mostraram que o presidente Lula, já no lançamento do projeto, confundiu pátria e governo.
A modelagem tem um defeito de fabricação que vem exatamente dessa manipulação do sentimento nacional em favor de uma empresa de capital aberto que tem sócios privados. A Petrobras não é o Brasil. É a maior empresa brasileira, mas não pertence a todos os brasileiros.
Tem menos de um milhão de acionistas privados — num país de 190 milhões de habitantes — e os acionistas é que serão beneficiados de forma ilegítima pelo modelo escolhido.
No sistema de partilha, a Petrobras vai receber até cinco bilhões de barris de óleo equivalente sem ter o trabalho de entrar em uma licitação.
Por ter 30% em todas as áreas de exploração ela já entra como a operadora, com poder decisório.
O Brasil não é o grupo político que hoje está no poder. Vantagens concedidas a uma empresa não são transferências de riqueza ao povo. O poder dado a uma empresa de capital misto não é defesa de soberania nacional. O governo faz confusão deliberada.
Essa mistura é explosiva, perigosa, conhecida.
O modelo escolhido para o pré-sal tem outras distorções evidentes. O governo diz que explorar o petróleo em profundezas inéditas é uma atividade sem risco e por isso cria dificuldades, ônus, obrigatoriedades para as empresas participantes.
Se fosse sem risco não teria acontecido o que aconteceu em Tupi, para começo de conversa. A produção diária foi metade da esperada e os testes tiveram que ser suspensos porque o equipamento teve problemas de corrosão ao enfrentar a pressão do fundo do mar. O primeiro fato é normal, o segundo é preocupante, segundo os técnicos.
O governo já discute o gasto do dinheiro de um petróleo que ainda não se sabe como retirar e comemora o petróleo como redenção nacional perpétua numa época em que o mundo está às vésperas de um imposto sobre combustíveis fósseis.
O investidor que vier terá que aceitar as seguintes condições: ser sócio da Petrobras queira ou não, em qualquer área. Ver esse sócio ter o privilégio de receber 30% do negócio. Ter no comando do empreendimento integrantes de uma outra estatal com poder de veto. E isso, se ganhar uma licitação na qual vencerá quem der mais petróleo para o governo. Petróleo que, depois, será entregue à Petrobras. O sócio privado terá o direito de entrar com o dinheiro de investimento, correr riscos, e conviver com uma participação estatal completamente excessiva.
Para ficar mais claro, os consórcios serão formados pela Petrobras, pela PetroSal (ou Petroqualquercoisa) e pelas empresas que ganharem a licitação. O consórcio será administrado pelo comitê operacional, no qual a Petro-Sal terá metade dos integrantes, o presidente, o poder de veto e de voto de qualidade. Portanto, o burocrata da empresa a ser criada que decidirá como, quando e onde furar.
O sistema escolhido pelo governo é estatizante. Isso não tem nada a ver com nacionalismo. Transfere recursos públicos para sócios privados. Isso também não tem nada a ver com nacionalismo.
Cria uma burocracia com poderes excessivos e ingerência em decisões empresariais.
Isso é qualquer coisa menos nacionalismo.
Quando o monopólio foi retirado da Constituição há 14 anos, o governo estabeleceu um modelo que deu certo. Trouxe 50 empresas estrangeiras para o Brasil que investiram bilhões, escolheram em sua maioria — mas não por imposição — a sociedade com a Petrobras, e ajudaram a ampliar as reservas brasileiras. Na época, a Petrobras pediu mais tempo do que os três anos que teve para escolher as áreas nas quais tinha feito investimento.
Recebeu esse prazo a mais e foi assim que chegou às reservas do pré-sal.
A oposição, que governava naquela época, continua demonstrando os sinais agudos de amnésia. Não sabe o que fez, por que fez e o que defende como melhor caminho para o Brasil. O presidente Lula disse que o “companheiro” Serra defende o modelo. E Serra parece ter gostado mesmo porque esteve no lançamento-palanque e nada contestou, exceto a divisão federativa dos impostos. Entre as emendas que o PSDB apresentou está a de distribuir ações preferenciais para as famílias do Bolsa Família. E os pobres que não estão no programa? Ou a oposição já se esqueceu também dos conhecidos problemas do cadastro do Bolsa Família? O Brasil está na seguinte situação: tem uma oposição que não faz oposição e um governo que manipula o sentimento nacionalista da população para ter dividendos eleitorais. Aí é que está o perigo. Não no nacionalismo, mas no uso que se faz dele.
loading...
-
Petrobras: Retomamos Parte Do Que Fhc Entregou
Brizola Neto Vou tentar explicar, de maneira resumida, o que significou a capitalização da Petrobras, concluída hoje pelo presidente Lula, como você viu no post anterior. Antes de Fernando Henrique vender as ações da empresa na Bolsa de Nova York,...
-
Lula, Dilma E Petrobras Delinearam Modelo Para Novas Regras.
A nova Lei do Petróleo foi concebida dentro da visão nacionalista do presidente Lula e da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), mas teve forte influência de executivos da Petrobras na definição da sua modelagem operacional. Questionados em suas...
-
Merval Pereira A Favor Do Debate
O GLOBO O debate sobre o novo modelo proposto pelo governo para a exploração de 70% das reservas de petróleo da camada de pré-sal ganhou nova dimensão com a explicitação, por parte do presidente Lula, da intenção do governo de misturar o sentimento...
-
Confusão No Pré-sal Celso Ming
O Estado de S. Paulo - 23/07/2009 O governo Lula mostra confusão e insegurança na elaboração do marco regulatório do pré-sal. Há um ano, a ideia era deixar a Petrobrás de fora. O ministro...
-
Capital Para A Petrobrás Celso Ming
O governo Lula sabe que tem de capitalizar a Petrobrás, mas parece ter perdido o rumo sobre os objetivos desse reforço. O impulso inicial foi tirá-la do pré-sal. "O petróleo não é da Petrobrás; é do povo brasileiro",...
Política