O novo Código Florestal tornou-se um assunto que superou a divisão
situação/oposição. A base governista é maioria, mas, nesse caso, a
maioria extrapola a base governista, como prova a votação da aprovação
da urgência para o projeto, que foi de 399 a 18. O governo tem força
para obstruir, mas perde se colocar em votação o novo Código
Florestal.
Na próxima terça-feira, se o presidente da Câmara, Marco Maia,
confirmar uma viagem à Coreia do Sul, provavelmente o Código Florestal
não será votado, e tudo indica que esse é o desejo do governo.
O líder Cândido Vaccarezza, que submeteu a base governista a um
vexame, fazendo com que os partidos que já haviam se manifestado a
favor da votação, inclusive o PMDB, voltassem atrás, já está dizendo
que não há prazo para a votação.
Mas existe também a possibilidade de o presidente da Câmara não viajar
porque o PMDB decidiu que nada será votado antes do Código Florestal,
e existem várias medidas provisórias na fila.
A senadora Kátia Abreu, presidente da Confederação Nacional da
Agricultura (CNA), uma das fundadoras do PSD e sua provável futura
presidente, diz estar tranquila, sem nervosismo, porque tem certeza da
vitória.
O Congresso está muito firme, convencido do que vai fazer, diz ela. O
relator Aldo Rebelo, do PCdoB, fez um trabalho de formiguinha, falando
com bancada por bancada, e a senadora Kátia Abreu fez, com a
Confederação Nacional da Agricultura, uma pregação a favor do
relatório por estados.
Mas, segundo ela, além disso, nesse caso tem acontecido que as bases
partidárias estão pressionando os deputados e senadores. Há um
"incômodo eleitoral" que atinge apartidariamente os políticos, e esse
"incômodo" é provocado pelos pequenos e médios produtores rurais.
Na disputa com a esquerda petista e com os ambientalistas, a senadora
Kátia Abreu tenta se descolar do rótulo de defensora dos grandes
produtores, como ela, e centra a defesa das mudanças no Código
Florestal nos pequenos produtores, a mesma tecla em que bate o
comunista Aldo Rebelo.
Outro ponto comum entre os dois é a defesa da produção de alimentos. A
senadora de Tocantins diz que os grandes produtores — no tamanho de
terra e também na renda — estão com sua vida arrumada, têm escala, têm
contratos internacionais, e, por isso, não são perturbados por uma
exigência de mais dez metros para lá ou para cá do rio.
"Não é isso que vai fazer esse grande produtor perder dinheiro, ele já
vendeu no mercado futuro. Os verdadeiramente aflitos são os pequenos e
médios produtores, que não sabem nem por onde começar, só têm a multa
em cima da cabeça, o impedimento de produção e o desespero total de
não poder financiar", diz ela.
O destaque que seria aprovado no plenário permitindo que milhares de
pequenos produtores que já estão nas beiras dos rios lá permanecessem
foi considerado pelos ambientalistas, com o apoio do governo, como a
consolidação de uma transgressão às Áreas de Preservação Permanente
(APPs), mas a senadora Kátia Abreu garante que é uma situação
"irreversível".
Preservar não significa não ocupar, diz ela, citando o que aconteceu
"em todos os rios da Europa, da Ásia, do mundo inteiro".
A pequena propriedade tem obsessão pela água, diz a senadora, e é
natural que assim seja, diz ela, pois um grande produtor pode estar a
500 metros do rio, mete uma bomba e um, cano e irriga o que quiser. Já
o pequeno produtor não tem condições de fazer isso.
Pela lei, o mínimo é 15 metros da margem do rio, podendo chegar a 500
metros, onde não se pode produzir nada.
O destaque dizia que pode sim consolidar a situação dos que já estão
pela APP, que seriam verificados pelo programa de certificação
ambiental para adequar suas atividades à preservação ambiental.
Dentro dessas APPs, vamos nos certificar quem é que está lá dentro e
qual a atividade que está sendo praticada há dezenas e dezenas de
anos, ressalta Kátia Abreu.
"Como é que um parlamentar de qualquer lugar do país vai chegar em seu
estado e dizer que vão arrancar os produtores rurais da beira do rio
como se fossem uma erva daninha?", dramatiza a senadora, para quem, se
a decisão for tomada a ferro e fogo, "tem que demolir o Palácio do
Jaburu, residência do vice-presidente, e o Palácio da Alvorada,
residência da presidente da República, porque as margens de represa
também são APP. E a margem do Rio Tietê em São Paulo, o que vamos
fazer?".
Se aprovar do jeito mais radical, diz ela, vai haver um barulho danado
em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e no Paraná, onde 90% são
pequenos agricultores.
Em Santa Catarina, que tem rio para tudo quanto é lado, não sobra nada, garante.
O segundo ponto de discórdia é sobre o Plano de Regularização
Ambiental (PRA) previsto no projeto do Aldo Rebelo.
A senadora Kátia Abreu enumera: o Brasil tem 850 milhões de hectares e
seis biomas, e Brasília não pode controlar isso tudo. Na Constituição
de 1988, meio ambiente passou a ser uma matéria de responsabilidade
também estadual, para que os estados legislem sobre suas
peculiaridades.
No relatório de Aldo Rebelo, existiam normas nacionais, mas havia
margem para os estados cuidarem de suas questões específicas.
Ficaríamos assim com responsabilidades superpostas, diz Kátia Abreu, e
esse é nosso sofrimento hoje. "Você pode levar uma multa estadual,
municipal e ainda federal no mesmo lugar".
O destaque dizia que o PRA seria exclusividade dos estados. "Somos uma
Federação, todos os estados têm órgãos ambientais, todos têm
procuradores da República, por que Saúde e Educação foram para os
estados e o meio ambiente não pode ir?".
O governo alega, não sem razão, que deixar ao critério de cada estado
colocaria em risco uma política nacional de preservação do meio
ambiente.
A iniciativa do ex-governador de Santa Catarina, hoje senador pelo
PMDB, Luiz Henrique, é tomada como exemplo tanto pelos ruralistas, que
elogiam as medidas liberalizantes adotadas pelo estado, quanto pelos
ambientalistas, que consideram a legislação catarinense um exemplo de
como a política nacional pode ser prejudicada por decisões isoladas.
Mas a senadora Kátia Abreu acha que são as ONGs que não querem que a
legislação seja estadualizada, "porque vão perder o poder político,
que traz o poder financeiro delas".