Sangria desatada Dora Kramer
Política

Sangria desatada Dora Kramer


O ESTADO DE S. PAULO

Com maioria cuja fortaleza é celebrada de norte a sul, de leste a
oeste, espanta que o governo precise recorrer a estratagemas típicos
de oposição para evitar uma derrota em plenário, como fizeram os
líderes governistas na Câmara dias atrás ao obstruir a sessão e
derrubar o quórum para a votação do novo Código Florestal.

É igualmente espantoso que, com toda sua capacidade de aniquilar a
oposição que fez a história do mito Lula, o PT no poder necessite
recorrer a expedientes exorbitantes para impedir que requerimentos de
convocação do ministro Antonio Palocci sejam postos em votação,
correndo a trancafiar salas para evitar reuniões de comissões na
Câmara e mandando o guarda da esquina atrás de deputados a arrancar
cartazes das paredes da Casa.

Assim como é intrigante que toda lisura existente no processo de
enriquecimento do ministro da Casa Civil nos últimos quatro anos em
que esteve deputado federal necessite da contratação de serviços de
emergência em comunicação e mobilização do governo inteiro numa
operação dita de contra-ataque.

Ou essa maioria não é aquilo tudo o que se diz ou o crescimento do
patrimônio de Antonio Palocci não está tão acima de qualquer suspeita
como alegam seus defensores, que há dias tentam dar o caso por
encerrado a golpes de gestos truculentos e de retórica falaciosa.

Quando a semana começou, havia uma reportagem da Folha de S. Paulo
mostrando que Palocci acumulara, entre 2006 e 2010, bens imóveis no
valor de R$ 7,5 milhões e havia também uma expectativa de que o
ministro conseguisse comprovar a licitude do patrimônio.

A semana termina sem a devida explicação e com muito mais: o governo
movendo mundos e fundos para evitar que o ministro se explique,
notícias sobre faturamento de R$ 20 milhões na consultoria do ministro
só no ano eleitoral de 2010 e uma empreiteira com contratos no setor
público dizendo-se cliente de Palocci.

À lista acrescente-se a suspeita do uso da votação do Código Florestal
como moeda de troca com a tropa de defesa no Congresso, a proposta de
criação de uma CPI e uma grande quantidade de requerimentos de
convocação a serem apresentados na Câmara e do Senado.

No campo político, a contraofensiva governista obedece ao velho
roteiro de criar uma realidade paralela em que transitam conspiradores
interessados em desestabilizar a República e opositores empenhados em
promover um "terceiro turno" das eleições.

Logo entrará em cena o espetáculo "nós contra eles", com forte
inclinação a criminalizar o noticiário.

Um forrobodó digno de grave crise, onde não há nada de grave a não ser
o fato de a evolução patrimonial do ministro continuar sem explicação.

A reação defensiva do governo é desproporcional às manifestações de
confiança na lisura de Palocci.

Por que impedi-lo de falar ao Congresso? Quando ministro da Fazenda,
acusado de frequentar uma casa de lobby em Brasília, Antonio Palocci
tomou a iniciativa de se explicar.

É bem verdade que na ocasião mentiu, como se viu adiante pelo
depoimento do caseiro da referida residência, Francenildo Costa,
testemunha da presença constante de Palocci no local.

A propósito, Francenildo, quando suspeito de receber um dinheiro
"atípico", no mesmo dia exibiu o extrato da conta com o depósito
feito... pelo pai. Lançada no ar na tarde de uma sexta-feira, no
sábado a acusação já não viu a luz do dia.

Desse modo simples é que se enterram suspeitas.

Uma no cravo. A emenda da senadora Marta Suplicy ao projeto de
criminalização da homofobia, criando uma exceção para "manifestação
pacífica de pensamento decorrente de ato de fé", tem o evidente
objetivo de conquistar o apoio das bancadas evangélicas.

Diante das reações contrárias, a senadora já admite retirar a emenda.
O que, de um lado, pode satisfazer às ponderações (justas) de que a
exceção é uma brecha à aceitação da intolerância, de outro reacenderá
a rejeição dos evangélicos capitaneados no Senado por Marcelo Crivella
e na Câmara por Anthony Garotinho.

Ambos da base do governo.




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