Ao fim do primeiro dia após as eleições na Inglaterra, já se sabia
alguma coisa. Que o grande derrotado foi o Partido Trabalhista, que
perdeu 91 cadeiras no Parlamento. Que o voto distrital mostrou falhas
graves. Que a Inglaterra terá um governo fraco no meio de uma crise
econômica. Só não se conseguia responder, até ontem à noite, à
pergunta básica: quem governa o país?
No Brasil, o voto distrital é frequentemente apresentado como a
solução para as nossas aflições. O sistema proporcional tem também
seus defeitos, mas essa eleição inglesa produziu um divórcio enorme
entre a proporção de votos e a divisão da representação. Dividindose o
número de votos recebidos pelos partidos pelo número de cadeiras que
eles terão no Parlamento, fica-se sabendo que cada parlamentar
conservador foi eleito por 35.021 votos; cada trabalhista, por 33.338;
enquanto cada liberal-democrata, por 119.397. Os conservadores tiveram
36% dos votos e ficaram com 47% das cadeiras; os trabalhistas, 29%, e
conquistaram 40% da Casa dos Comuns; os liberais-democratas, com seus
23% nas urnas, ganharam apenas 9%.
Diante desses números, não há dúvida sobre a razão pela qual o pivô da
governabilidade na nova conjuntura política britânica, o partido
Liberal Democrata, escreveu no topo da sua lista de exigências a
reforma eleitoral. A grande força dos trabalhistas, na queda de braço
com os conservadores, para conquistar os liberais-democratas é que
eles admitem um plebiscito para um sistema eleitoral alternativo. Os
conservadores permanecem vagos sobre esse ponto.
Em duas semanas, assume o novo Parlamento em Westminster e estará,
portanto, instalado o novo governo.
Para os ingleses, um governo de coalizão é estranho ao cotidiano da política.
Nos outros países europeus, governos formados através de alianças
entre partidos diferentes é fato corriqueiro, apesar de haver uma
história de indecisões e paralisias decisórias decorrentes das
divergências entre os partidos que formam o governo.
Liberais-democratas e trabalhistas têm mais identidade.
O líder liberal-democrata, Nick Clegg, admitiu que "historicamente os
dois partidos são duas alas da tradição política progressista da
Inglaterra." O problema é que as urnas mostraram uma forte rejeição
aos trabalhistas, que perderam 91 cadeiras, o primeiroministro, Gordon
Brown, é impopular, e a exigência de Clegg para negociar com os
trabalhistas é a renúncia de Brown.
Com os conservadores, os liberais-democratas têm pouquíssima identidade.
Uma coalizão dos dois certamente produziria tensão, divisão,
paralisia. Nos dois casos, o que a Inglaterra tem pela frente é um
governo fraco.
Em outros momentos, uma coalizão poderia ser apenas um desafio, com o
qual outros países aprenderam a conviver. Mas, no meio de uma crise
econômica da proporção da atual, o risco é maior. A Inglaterra terá
que tomar decisões duras sobre os gastos públicos. E rápidas.
O país tem várias vantagens sobre as outras fortes economias
europeias: tem sua própria moeda, pode fazer política monetária, não
está preso na camisa de força do euro. Mas está igualmente ligado aos
países do continente por laços econômicos e financeiros. Os bancos
ingleses estão quase tão expostos ao risco europeu quanto os alemães e
franceses.
Seus bancos também carregam dívida grega, espanhola e, principalmente,
irlandesa. Seu déficit público passa de 12% do PIB, e foi ampliado
exatamente da mesma forma que os déficits dos outros países: pela
expansão dos gastos públicos para evitar a crise bancária de 2008. O
fato de não estar na zona do euro dá vantagens à Inglaterra, mas não a
blinda contra a crise.
A resposta dos trabalhistas à crise seria mais do mesmo, ainda que com
outro primeiro-ministro. Foram eles que ampliaram o déficit.
Suas respostas não foram convincentes, nem na campanha.
Prometeram reduzir o déficit à metade até 2014, mas não fizeram
propostas concretas de fazer isso.
A resposta dos conservadores para a crise, defendida em campanha,
também dificilmente produzirá o efeito de redução rápida do déficit.
Até porque, para cada item de corte de gastos, eles têm outro item de
redução da receita ou aumento de despesa.
A proposta é congelar os salários dos funcionários públicos por um
ano; antecipar a elevação da idade de aposentadoria aos 66 anos;
suspender as deduções no imposto de que ganha acima de 50.000 libras;
pôr um teto nas pensões mais altas. Há até uma proposta polêmica:
reduzir o número de parlamentares.
Ao mesmo tempo, o Partido Conservador prometeu também, durante a
campanha, cortar os impostos de empresas, dar um bônus às empresas
médias e pequenas que contratarem estagiários, incentivar as empresas
nascentes, aumentar o orçamento para apoio às tropas inglesas no
Afeganistão, criar o Conselho de Segurança Nacional.
Como sempre acontece em situações como a que vive a Europa, todo
impasse é mais um motivo para alimentar a crise. Ontem, os analistas
diziam que a situação indefinida da Inglaterra também era motivo para
a volatilidade das bolsas. É mais uma onda no mar de incertezas vivida
pelo Europa.
A CNN perguntou a um analista de mercado a razão de o resultado
eleitoral estar provocando ansiedade nos investidores se outros
governos passam por momentos de indefinição, após eleições, sem abalar
o mercado.
Ele respondeu que os outros países têm constituição escrita, e a Inglaterra não.
Há séculos, a democracia inglesa funciona assim. A falta de
constituição escrita tem sido apontada como a grande virtude do país.
Agora, até isso incomoda o mercado.
Na Europa, vive-se o tempo da dúvida.