A RECUPERAÇÃO da economia mundial pode estar entrando em um período de
turbulência. As fontes de incerteza são diversas e atingem as
principais economias maduras.
Nesse ambiente, as perspectivas para os preços de ativos de economias
emergentes, embora ainda promissoras, estão envoltas em maior risco.
A recuperação da economia japonesa foi atingida pelos desastres
naturais e o subsequente problema nuclear. Por um lado, persistem
restrições do lado da oferta, ocasionadas pela escassez de energia, e,
por outro, há um natural recolhimento das intenções de realização de
gastos discricionários por parte da população. É certo que em algum
momento, nos próximos trimestres, os esforços de reconstrução irão
adicionar dinamismo à atividade econômica, mas tal processo pode se
mostrar demorado.
Na Europa, conquanto persista o descolamento entre atividade nas
economias centrais, em especial a alemã, e a periferia mediterrânea, a
retomada segue sob o risco de uma deterioração nas finanças públicas
das economias em crise.
Ainda que as autoridades econômicas europeias continuem a negar a
hipótese de reestruturação, parece haver consenso nos mercados de que
a reestruturação da dívida pública grega é apenas uma questão de
tempo. As trajetórias da dívida pública de outros países, como Irlanda
e Portugal, também são vistas com bastante cautela.
As questões que se colocam são, portanto, o que ocorreria com
economias mais relevantes e os bancos, em caso de uma moratória da
Grécia. Até recentemente, parecia haver uma redução da sensibilidade
dos preços dos ativos espanhóis ante os desenvolvimentos nas economias
periféricas em crise, mas esse quadro parece ter se alterado nos
últimos dias.
Ademais, uma moratória provavelmente afetaria também os bancos gregos,
que têm relações com o sistema bancário no resto do continente. É
plausível que o grande prejuízo fique com o Banco Central Europeu
(BCE), que, em última instância, poderia requerer recapitalização. Mas
não se pode descartar, a priori, riscos de contágio da dívida pública
para a dívida bancária.
A grande dificuldade, no caso europeu, é que a união monetária
precedeu a união fiscal (se é que esta última vai de fato acontecer).
Assim, não há mecanismos automáticos de socorro "federal" aos governos
da periferia. Nesse contexto, os programas de ajuda devem ser
negociados praticamente caso a caso, o que aumenta o risco político
-ainda mais porque regras de governança e tradições dentro da União
Europeia requerem decisões por consenso.
Nos EUA, a questão fiscal também ganha proeminência. Não se trata de
temor quanto a uma moratória, mas sim da deterioração das perspectivas
fiscais em ambiente político conturbado. Em que pese o anúncio de um
programa de consolidação fiscal de médio prazo pelo presidente Barack
Obama, os mercados, e as agências de classificação de risco, continuam
céticos, em boa parte porque não enxergam ambiente para convergência
entre democratas e republicanos -situação que não deve se tornar mais
simples à medida que aproximam as eleições de 2012.
Simplificando as posições, parece que os democratas preferem um
programa de ajuste mais gradual, e que combine contenção de gastos com
algum aumento de impostos sobre os segmentos de alta renda, ao passo
que os republicanos defendem um ajuste mais rápido, nos moldes do
programa econômico do novo governo britânico, voltado para o corte de
gastos e a redução do tamanho do Estado.
O desfecho mais provável, a despeito das posições aparentemente
irreconciliáveis, é algum tipo de solução de compromisso, mas que
implique uma posição fiscal mais contracionista a curto prazo do que
anteriormente esperado.
Assim, depois de um primeiro trimestre com atividade decepcionante, a
recuperação americana pode ter de enfrentar um período em que o mix de
políticas fiscal e monetária é menos favorável, a menos que o aperto
fiscal venha a ser compensado por uma nova rodada de expansão
monetária quantitativa. Resumindo, os ventos de proa e o risco
político para a recuperação mundial, especialmente nas economias
maduras, parecem ter ganho força.