Volta da crise Miriam Leitão
Política

Volta da crise Miriam Leitão


O GLOBO

Grécia: onze milhões de habitantes, população equivalente à da região
metropolitana do Rio, território menor do que o Rio Grande do Sul e um
PIB que é a metade do estado de São Paulo. O país não tem peso para
provocar uma crise global. Mesmo assim, está provocando. É o preço a
pagar pelo sucesso do mundo — e da Europa, em particular — em aumentar
as conexões na era da globalização.

Por que uma gota no oceano mundial pode provocar um maremoto? Porque
ela não está sozinha. A Europa fez um pacto de estar unida na alegria
e na tristeza. Amarrou os laços, criou uma moeda comum. Países
pequenos e com fragilidades foram tratados como iguais a países fortes
e equilibrados. Todos pagaram taxas de juros equivalentes para rolar
dívidas com graus de risco bem diferentes.

Todos na crise elevaram seus déficits. Só que as dívidas são
diferentes. As de países fortes viram refúgio do mercado na hora do
medo.

Lições aprendidas nos últimos dois anos: um banco de investimento pode
provocar uma crise global; um pequeno país faz tremer os mercados e
pode detonar outra crise. Não pelo que são, mas pelo que revelam.

O Lehman Brothers revelou o quanto todo o sistema bancário estava
avaliando errado o risco dos devedores, o tamanho da bolha, a dimensão
da alavancagem.

Os empréstimos entre os bancos foi o canal pelo qual passou o rastilho
de pólvora. A Grécia revela o grau de irresponsabilidade fiscal dos
governos. Lição geral: bancos precisam de boa regulação e boa
fiscalização; países têm que ter limites de gastos.

Não se deve subestimar a dinâmica dessa crise. Normalmente, a
preocupação cresce quando as bolsas caem, e desanuviam assim que as
bolsas sobem. O mercado de capitais é só um termômetro. Bastou um erro
para haver uma fuga em manada.

O professor José Herce, da Universidade Complutense de Madri, em
entrevista a Valéria Maniero, do blog, disse que há risco de uma crise
sistêmica. E lembrou a velocidade, dizendo que há um mês uma ajuda de
C 110 bilhões seria mais do que a Grécia precisaria; agora, não parece
ser suficiente.

— O caso da Grécia está provocando um problema sistêmico em que o euro
acaba prejudicado. A dívida alemã está virando refúgio dos que correm
de outros riscos. O custo do resgate da Grécia disparou. A lentidão e
as dúvidas dos responsáveis europeus agravaram a crise e agora são
necessárias respostas mais contundentes — disse o economista.

Ele ainda acha possível evitar que a própria Espanha peça ajuda ao
FMI: — Hoje, é impensável esse cenário. A escada de descida até ele
tem muitos degraus.

Mas, para reduzir o déficit, a Espanha terá que fazer ajustes.

Herce acha que os espanhóis podem protestar no início — como os gregos
—, mas que acabarão aceitando, em nome da estabilidade, remédios
amargos como redução dos gastos sociais, dos salários e altas de
impostos: — Hoje, fiz um teste com meus alunos de macroeconomia sobre
a aceitação dessas medidas, e 70% concordaram.

Mais fácil ter concordância num curso de macroeconomia do que nas
ruas, onde 4,5 milhões não têm emprego. O desemprego de 20% da Espanha
chega a 40% entre os jovens: — Fruto das falhas no nosso sistema
produtivo, na nossa competitividade e no sistema trabalhista. É
preciso reduzir custos trabalhistas para aumentar o emprego e fazer
uma grande reforma do trabalho o quanto antes.

Nas crises, descobre-se que certos remédios são universais. Equilíbrio
nas contas públicas, mercado de trabalho flexível, previdência
ajustada aos novos padrões demográficos não são uma receita
neoliberal.

São remédios da prudência.

O risco que a Europa corre é repetir, com a Grécia, erros já cometidos
em outros países: um remédio mais forte do que o organismo
enfraquecido pode aguentar. Como foi no caso da Argentina, em 2001, no
governo Fernando de la Rua. As imposições do FMI foram tão duras num
país já em recessão que o sistema político entrou em colapso e a
moratória desorganizada foi decretada.

A economista Monica Baumgarten de Bolle, da Galanto Consultoria, tem
dito que o remédio deveria ser uma reestruturação organizada, como foi
a do Uruguai, seguida de um esforço para blindar os outros países
europeus.

O remédio imposto à Grécia é de reduzir o déficit de 14% para 3% em
três anos. Um corte de 11 pontos percentuais do PIB, numa economia que
está com 4% de recessão e na qual 75% dos gastos públicos vão para o
pagamento de salários e pensões.

— Nunca vi um ajuste de dois dígitos no déficit em um período de três
anos. Acho praticamente impossível que esse plano de socorro seja bem
sucedido sem uma reestruturação da dívida grega.

O Uruguai é um caso de sucesso na reestruturação que obteve o aval de
quase 100% dos credores. Ela foi feita depois que o país anunciou
medidas de ajuste para reduzir o déficit. O problema é que a Grécia
faz parte do euro e há um receio grande dos países de uma
reestruturação de dívida — disse.

Isso mostra que os céticos do euro tinham razão em parte.

O sistema de moeda única ligando países diferentes não se preparou
para crises. Na alta, todos foram felizes, na descida, eles
escorregam. O sistema monetário não foi capaz de ver a fraude grega
nas estatísticas, de impor limites aos desequilíbrios fiscais, de ter
soluções rápidas na emergência.

Também não sabe o que fazer se um dos países for obrigado a entrar em moratória.

É bom que procurem respostas.

E nós com isso? Bom, nosso mundo é o mundo todo; e em economia, certas
leis são universais. Melhor é se preparar para a turbulência e evitar
erros velhos.

Já conhecemos os passos dessa estrada.




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