Gaspar demite-se e deixa uma herdeira. Paulo não gosta e bate com a porta. Passos não aceita tal rompimento. Corre atrás, negoceia, dá o seu melhor para segurar o parceiro. E consegue-o, em troca de cargos e glória. Cavaco não gosta da jogada. Manda parar o jogo e exige que PS, PSD e CDS deem as mãos e salvem o país. Uma semana depois, nada feito. Não há acordo e volta-se à estaca zero. Cavaco fala a um país encavacado. Afinal o Governo fica em funções, afinal a coligação está de boa saúde e até saiu reforçada deste processo. Comentários para quê?
Três semanas depois, o país continua mergulhado numa inarrável crise política. Ficamos na dúvida sobre se devemos rir dos contornos da mesma, que conta já com inúmeros momentos que assumirão com certeza um lugar de destaque nos tesourinhos deprimentes da política portuguesa. Ou se ficamos devastados com este stand by num país que precisa urgentemente de políticas que contrariem a catástrofe em curso. Ou, ainda, se ficamos indignados com todo este lamaçal em que os jogos políticos parecem ter mais uma vez ultrapassado todos os limites. O sentimento da generalidade dos Portugueses é com certeza uma mistura dos três estados acima expostos.
Mas no meio de toda esta confusão, desta sucessão de acontecimentos inimagináveis, quase somos tentados a esquecer como tudo começou e quem esteve na sua origem. E, curiosamente, passadas estas três semanas, verifica-se que aqui fomos mergulhados pelos grandes guardiões da estabilidade, os campeões da defesa dos sacrifícios dos portugueses e os gurus da manutenção da reputação internacional do país. Ou seja, foram precisamente os atores políticos que mais encheram a boca nos últimos anos com a necessidade de estabilidade, de suportar os sacrifícios e de colocar o interesse nacional acima dos interesses pessoais e partidários, que agora resolveram mergulhar o país no pântano político.
De um dia para o outro, a tão pragmática e inabalável direita no poder desentendeu-se fortemente. E fê-lo em praça pública, numa sucessão de acontecimentos que, ainda hoje, quando recordados nos deixam de boca aberta. Portas que resolve sair e anuncia-o publicamente de surpresa, deixando abismados os seus parceiros de coligação, mas também os responsáveis do seu partido. Segue-se uma semana de negociações em que o irrevogável se foi esbatendo perante cada nova conquista. Chega-se então a uma solução de remodelação que, sendo polémica, retiraria o país do stand by em que fora mergulhado.
Surge o até então silencioso Cavaco. Quando o país pensava que estavam então reunidas as condições para voltar à normalidade ou, em oposição, convocar eleições antecipadas, o Presidente opta por uma solução intermédia que não ata nem desata. Pelo contrário, mergulha os atores políticos em mais uma semana de negociações que desde logo se sabiam inglórias. Foi de facto esse o resultado: uma mão cheia de nada e um país ainda em stand by.
Curiosamente, a convicção sobre a estabilidade a qualquer curso mantém-se, continuando o PSD e CDS a querer dar lições de estabilidade a qualquer um que com eles se disponha a discutir. Não deixa de ser curioso que uma crise política se tenha instalado numa coligação com maioria absoluta no Parlamento e com um fiel apoiante em Belém. Ou seja, andamos há três semanas mergulhados numa crise e com muitos a clamarem por soluções de salvação nacional quando na verdade o cenário de maioria parlamentar de direita, apoiada por um Presidente da República do mesmo quadrante, levar-nos-ia a acreditar que a estabilidade politico-institucional seria garantida à partida. Pelos vistos os campeões da estabilidade…afinal não são assim tão estáveis.
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
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