A análise da balança comercial nos quatro primeiros meses do ano mostra que não é mesmo o valor do dólar que garante as exportações. As vendas brasileiras tiveram aumento pífio, apesar da desvalorização cambial. Os números dizem também que o comércio foi afetado pela política protecionista argentina e pela desaceleração da China, que diminuiu o preço do minério de ferro. O Brasil continua dependente de poucos produtos.
De janeiro a abril, o superávit comercial do Brasil caiu 35% em relação ao mesmo período de 2011. Só não recuou mais porque os Estados Unidos aumentaram a compra do nosso petróleo. A desaceleração chinesa derrubou o preço do minério de ferro, e a Argentina criou barreiras que impediram a entrada do produto brasileiro no país. Mesmo com a desvalorização do real, as exportações, pela média diária, subiram só 2% no período, e as importações cresceram 4,8%. O superávit caiu de US$ 5 bilhões para US$ 3,3 bilhões.
Com déficit em conta corrente desde o ano passado, uma indústria pouca competitiva e sem acesso a crédito internacional, o governo argentino resolveu buscar dólares na relação comercial com o Brasil. A ideia foi criar barreiras contra produtos brasileiros, para reduzir nosso superávit. A medida já deu resultado e o saldo nos quatro primeiros meses do ano caiu 54%, de US$ 1,3 bilhão para US$ 600 milhões. As vendas para a Argentina ficaram 11,7% menores, e isolando o mês de abril a redução foi de 27%.
A reação do Brasil começou esta semana, e, como informou O GLOBO na terça-feira, atinge cerca de 60% a 70% da pauta de exportações da Argentina para cá. Produtos como maçã, uva passa, batata, farinha de trigo e vinho deixaram de ter o licenciamento automático, que facilita a entrada de produtos. Na prática, ficarão mais tempo nas fronteiras, correndo risco de estragar.
A atitude da Argentina e a resposta brasileira enfraquecem o Mercosul. Elas vão diminuir a corrente de comércio entre os dois países justamente no momento em que o mundo está em crise e a demanda mundial está mais fraca. Mas, principalmente, porque é um sinal na direção exatamente contrária ao que se deve dar num bloco comercial. Por isso, o encontro ontem entre ministros de Brasil e Argentina, no Ministério de Relações Exteriores, foi positivo, o melhor caminho é negociar.
Segundo José Augusto de Castro, da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), quem se aproveita da disputa é a China. Enquanto a exportação do Brasil para a Argentina caiu 11,7% de janeiro a abril, a dos chineses caiu bem menos, apenas 3%.
- A China faz investimentos na Argentina e exige em troca que eles comprem produtos chineses. Então a Argentina está trocando o Brasil pela China - disse.
A crise na Europa tem reflexos sobre o crescimento chinês, e isso afeta o Brasil indiretamente. Para a China, nossas exportações subiram 5%, com um recuo forte no minério de ferro sendo compensado por uma alta no embarque de soja. O minério de ferro, que é o principal produto de nossa balança comercial, está com preço 20% menor este ano. Somente essa queda nos preços faria com que o valor exportado de minério em 2011, de US$ 40 bilhões, caísse para US$ 32 bi. Esse caso mostra a excessiva dependência que o Brasil tem da China e o risco que isso representa. O governo chinês tem dado sinais de que o país vai crescer menos, e pelas projeções do FMI a média de crescimento da China nos próximos seis anos será de 8,6%, contra um crescimento médio de 10,8% dos últimos seis anos. O Brasil precisa se preparar para essa mudança.
- A China vai passar a ter um modelo mais focado no consumo do que no investimento. O consumo das famílias representa só 30% do PIB chinês, enquanto no Brasil e nos Estados Unidos chega a 60%. Isso significa menos compras de minério de ferro - disse o analista Felipe Queiroz, da Austin Rating.
O que evitou que o comércio exterior brasileiro ficasse no vermelho foi a decisão americana de diversificar suas fontes de suprimento de energia. Houve um aumento de 88% na compra de petróleo do Brasil por parte dos americanos, e isso ajudou nossas exportações no período subirem de US$ 6,78 bilhões para US$ 9,01 bi. Um crescimento de 33%. Os americanos representaram 12% de nossa pauta comercial, enquanto os chineses ficaram com 15%.
- É bom aumentar as vendas para os Estados Unidos, porque eles são a principal economia mundial e também o maior importador, e isso dá status. Mas o que estamos vendo foi uma decisão unilateral dos americanos de comprar mais petróleo do Brasil, e não o resultado de uma política nossa de conquistar mais mercado por lá - explicou José Augusto de Castro.
O Brasil ainda não tem uma estratégia de comércio exterior. O governo não parece ter entendido a eloquência desses números. O país continua tendo uma política comercial pouco ofensiva. Se a China tiver uma queda forte no crescimento será o suficiente para um resultado negativo na balança comercial