Provincianismo Político
Política

Provincianismo Político


Numa altura em que tanto se fala de gastos supérfluos e em que o combate ao despesismo estatal é a prioridade política n.º 1, se calhar vale a pena descorrer um pouco sobre a recorrente desadequação das políticas públicas em Portugal. Os casos são inúmeros e todos conhecemos alguns. Mas destaquemos um tipo particular: aqueles que são apresentados como exemplos de liderança do país no panorama internacional, apesar dos fortes sinais de desajustamento das necessidades do mesmo. Os projectos são bons, mas têm apenas o “ligeiro problema” de serem desadequados da realidade à qual pretendem aplicar-se. Vejamos então alguns exemplos.

A rede portuguesa de auto-estradas pode eventualmente ser um motivo de orgulho para o país. Começam a ser poucas as zonas em Portugal continental onde tal rede viária de luxo não chega. Aliás, olhando para alguns índices especializados sobre estes domínios, verifica-se que Portugal é o 6ª país da UE com mais quilómetros de auto-estrada por milhão de habitantes (à frente da Alemanha, p. ex.). Ou seja, existe aqui uma manifesta distorção. Importa sublinhar que, quando tais investimentos são feitos, fundamentam-se sempre no retorno que trarão a nível de dinamização económica das zonas envolventes. No entanto, como é evidente, a grande questão diz respeito ao custo/benefício associado aos mesmos. Trocado por miúdos, caso fossem aplicados noutros domínios, tais milhões não conseguiriam um maior retorno? Visto deste prisma, se calhar o melhor é nem tentar aplicar tal cálculo ao investimento português em auto-estradas, sob pena do país ficar ainda mais deprimido...

Da rede de auto-estradas podemos passar rapidamente ao tão recentemente discutido projecto do TGV. Sem dúvida que uma ligação a Madrid em alta velocidade constituiria uma mais valia tremenda para o país. Sem dúvida que Portugal estar ligado à rede europeia de alta velocidade constituiria um importante estímulo para a economia nacional. E naturalmente que o forte investimento público requerido teria um efeito vitamínico em inúmeros sectores económicos, levando inclusive à precisosa criação de emprego num contexto de crise como o actual. Mas será que o custo/benefício seria razoável?

Peguemos agora num exemplo um pouco menos evidente. Portugal tem vindo a ser crescentemente considerado um exemplo a nível internacional devido ao investimento feito em energias renováveis. Algo verdadeiramente surpreendente devido à nossa dimensão e à velocidade a que se tem processado. Para além do valor ecológico de tal investimento, esta política é elogiada pela redução da dependência energética do exterior que proporciona. Mas mesmo neste caso onde valores tão importantes como a ecologia se colocam, será que o custo/beneficio do investimento está a ser de facto ponderado? Em última instância, é legítimo perguntar-se porque razão outros países desenvolvidos e não comprometidos com a economia do petróleo parecem tão desinteressados em disputar a liderança nestes domínios?

O desajustamento ou desproporcionalidade das políticas públicas são traços característicos de estilos de governação pouco amadurecidos. Demonstram sobretudo vistas curtas por parte dos seus responsáveis, muitas vezes levados por modas e estados de espírito, mais preocupados com a capitalização política da obra feita do que com os seus reais impactos. O que importa é fazer algo em grande, algo que impressione, algo com gráficos a subir. Depois logo se verá da sua utilidade de facto. Eis o provincianismo político que os mais diversos indicadores infelizmente ainda demonstram estar muito enraizado entre nós.

Artigo publicado hoje no Açoriano Oriental)
(Imagem: Non è un paese per Vecchi)



loading...

- Inovação Rima Com Administração Pública?
Apesar de poderem ser constantemente desmascarados, desconstruídos, desacreditados, os mitos têm o grande inconveniente de ressuscitarem constantemente. Dificilmente desaparecem. As suas narrativas simplistas perduram no tempo e atravessam gerações....

- Pt: A Queda De Um Gigante
O caso BES vai a meio e já vemos um novo gigante nacional em profundo risco de colapso. Sem que nos apercebêssemos muito bem como, a Portugal Telecom, uma das empresas nacionais mais emblemáticas passou a estar profundamente em risco. Contagiada pelo...

- Feliz 2013...
Todos desejamos que 2012 seja melhor do que 2011. Este ano que passou foi de má memória, nem valendo a pena enumerar aqui os “presentes” que país recebeu nestes últimos doze meses. Mas também não será por acaso que, mesmo para os mais optimistas,...

- Algumas Notas Sobre A Madeira
Tinha lá estado apenas uma vez, com 11 anos. Restavam-me vagas memórias da ilha que foram muito bem reavivadas nesta última semana. Como é mais do que sabido, a Madeira é uma bonita ilha. A união do oceano com altas falésias rochosas proporciona...

- Pec? Eu é Mais Pac
O termo “caso” é já uma expressão muito familiar na política portuguesa. Os casos foram marcando presença ao longo de toda democracia, assumindo o papel de condimentar a agenda política. Não são portanto uma novidade dos nossos dias. A novidade...



Política








.