Política
PEC? Eu é mais PAC
O termo “caso” é já uma expressão muito familiar na política portuguesa. Os casos foram marcando presença ao longo de toda democracia, assumindo o papel de condimentar a agenda política. Não são portanto uma novidade dos nossos dias. A novidade reside sim na frequência com que têm vindo a lume nos últimos anos. Do caso da Licenciatura, ao Freeport, do Portucale ao PT/TVI sucedem-se a uma velocidade estonteante, preenchendo manchetes e fornecendo matéria sempre fresca para o comentário político. O caso dos submarinos é o mais recente blockbuster e o passado de Sócrates na Câmara Municipal da Guarda afigura-se como a mais recente promessa.
No entanto, tirando uma meia dúzia de aficcionados, parece que já quase ninguém se dá ao trabalho de seguir atentamente os casos que vão surgindo. São muitas personagens, os enredos são demasiado complexos e seguir tais novelas exige muito tempo. Os casos são tantos que se caiu numa espécie de banalidade. Deixaram de despertar o interesse de outros tempos... O problema é que a perda de importância dos casos para a maioria da população não corresponde a uma minimização do que está a suceder. Reflecte sim um progressivo afastamento de um mundo político que parece agora querer dar razão aos mais cépticos, apresentando contornos verdadeiramente mafiosos.
Embora seja um erro clássico assumir a dimensão de um fenómeno com base na frequência com que o mesmo surge na comunicação social, parecem restar poucas dúvidas sobre o quão endémico é o problema da corrupção em Portugal. E a corrupção a nível político será à partida apenas um reflexo do que se passa nas mais diversas esferas socio-económicas. Escusado será sublinhar os malefícios de tal vício, destacando-se graves implicações em domínios tão diversos como o Estado de Direito ou as finanças públicas.
Ora, tendo em conta os efeitos claros da corrupção e da criminalidade económica nos cofres do Estado, e dado o momento de histerismo em torno do défice público, não seria de aproveitar para começar a atacar com seriedade estes cancros de que Portugal padece? Não seria tempo do combate à corrupção entrar a sério na agenda política e os diversos partidos desenvolverem entendimentos a este respeito? Perante um PEC que se tem mostrado no extremo oposto da consensualidade, não faria sentido impulsionar um amplo PAC – Programa Anti-Corrupção?
Menores obstáculos no levantamento do sigilo bancário, maior facilidade na inversão do ónus da prova perante sinais exteriores de riqueza, criminalização do enriquecimento ilícito, reforço das capacidades de investigação das Finanças são medidas há muito defendidas por diversos sectores. Mas centrando-nos apenas na esfera política, muitas vozes têm vindo a público sublinhar a importância de uma série de medidas: desde mudanças nas regras de nomeações políticas na Administração Pública, passando por um mais claro relacionamento entre público e privado, por melhores regras de incompatibilidades profissionais aquando do exercício de funções públicas, por maiores períodos de nojo após o exercício de cargos públicos, entre muitas outras.
Um programa anti-corrupção implicaria naturalmente amplos consensos entre os diversos partidos. Tal tem sido sempre um dos maiories obstáculos. É que, se em teoria todos estão empenhados em atacar o problema da corrupção, na hora da verdade surgem estranhíssimos passos atrás. De qualquer modo, uma ampla cobertura mediática e a consequente atenção e expectativas da opinião pública fariam certamente milagres nestes domínios. Fica a ideia: “PEC? E que tal um PAC, hein?”
Artigo publicado ontem no Açoriano Oriental(Imagem: Falação)
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