Política
Questão dos royalties virou escárnio EDITORIAL
O GLOBO - 21/10/2011
O que se temia acabou acontecendo em Brasília, por meio de políticos irresponsáveis, sem espírito federativo. O Senado, em votação simbólica, voltou a desrespeitar, sob o pretexto de agir em nome da maioria, 16 milhões de habitantes do Estado do Rio de Janeiro, 3,5 milhões do Espírito Santo e 40 milhões de São Paulo, ao aprovar, na noite de quarta-feira, um projeto de lei que avança sobre as receitas de royalties e participações especiais decorrentes da produção de petróleo e gás já definidas.
Para se ter ideia do descaso com a população desses três estados, sorrateiramente houve até mesmo uma tentativa de incluir no projeto uma mudança na geografia brasileira.
Não satisfeitos em avançar sobre receitas existentes, um dispositivo no substitutivo do relator do projeto iria redefinir as coordenadas geográficas de modo que parte do litoral fluminense e capixaba se deslocaria no mapa para dois estados do Sul. Com isso o descaso se transformou em afronta aos órgãos técnicos, e passou à categoria de escárnio, pelo excesso de casuísmo.
Sobre a produção de petróleo não incidem impostos estaduais (ICMS) na origem, apenas no destino (nos combustíveis), exceção abusiva que foi estabelecida na Constituição de 1988. Como compensação financeira pelo impacto da exploração e produção de óleo e gás, a legislação prevê o pagamento de royalties e de participações especiais que devem acompanhar a produtividade dos campos. O impacto é bastante negativo, pelos riscos ambientais e pressão sobre a infraestrutura do estado e dos municípios confrontantes à atividade da indústria no mar. Já os pagamentos de royalties e participações são feitos em maior parte à União, que deve se encarregar de redistribuir parte deles aos demais entes federativos.
Com o aumento da produção de petróleo, que não aconteceu da noite para o dia - políticos irresponsáveis, demagogos, fingem desconhecer que, antes de colher os bônus, as localidades confrontantes aos campos produtores tiveram de suportar o ônus -, essas receitas começaram a ganhar relevância.
A descoberta dos reservatórios do pré-sal abriu novas perspectivas de receitas futurais, e sobre as quais foi negociado um acordo com o governo federal que aumentará consideravelmente a fatia dos entes federativos não produtores, em detrimento dos produtores.
Nada disso foi considerado, pois o projeto que o Senado votou prevê um avanço sobre receitas dos campos já licitados e os em produção - uma excrescência jurídica - , congelando a participação atual do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. À resistência quase solitária de fluminenses e capixabas se junta agora o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. O governo federal, a quem caberia promover a pacificação, talvez agora se movimente, até mesmo vetando o projeto, se a Câmara confirmar a decisão do Senado. Caso contrário, caberá ao STF resolver a questão.
A presidente Dilma Rousseff, de forma compreensível, procurou manter alguma distância das negociações no Congresso, embora na sua equipe haja defensores de soluções que não interessam aos estados produtores. Agora, ela terá de agir, para salvar o pacto federativo.
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