Um sistema elétrico mais eficiente e confiável está além dos simples esforços de construção de usinas e ampliação da rede de transmissão. Nos Estados Unidos, a confiabilidade do sistema é de 99,97%. Isso não impediu que 55 milhões de americanos ficassem às escuras em 2003, quando houve um grande apagão na região Nordeste do país. É o que estão alertando especialistas, que defendem a modernização dos sistemas para uma rede inteligente (smart grid).
Imagine uma rede de energia com tecnologia capaz de redirecionar em momentos de blecaute a energia elétrica de milhares de aparelhos de ar-condicionado e chuveiros elétricos das residências para hospitais, aeroportos, sinais de trânsito. Imagine o próprio consumidor gerando, armazenado e injetando energia no sistema em momentos desabastecimento.
— O sistema atual não tem desligamento seletivo. A energia é cortada em grandes regiões. Isso pode ser mudado com uso da tecnologia de informação. É o que a rede inteligente propõe e vem sendo debatido no mundo inteiro — explica Cyro Vicente Boccuzzi, Fórum Latino-americano de Smart Grid e da consultoria ECOee.
Parece peça de ficção, mas não é. O governo americano aprovou neste ano a liberação de US$ 3,4 bilhões para uma projeto de demonstração do smart grid. É um primeiro passo. O projeto como um todo custará muito mais do que isso e exigirá de 20 a 25 anos para ser implementando. Na Austrália, o governo ofereceu 100 milhões de dólares australianos para quem queira testar tecnologias em uma cidade modelo.
— É uma mudança em ampla escala e cara. A tecnologia atual do sistema elétrico levou cem anos para ser feita. Não vai mudar do dia para a noite. Mas não podemos dizer que estamos atrasados sozinhos nesse ponto. Todos os países ainda tentam encontrar uma solução.
O smart grid é um conceito. São várias tecnologias utilizadas. Será preciso por exemplo modernizar os medidores de energia, que são atualmente os mesmos do tempos de nossos avós. Cada casa passa a ter um medidor eletrônico com capacidade de se comunicar com outros medidores de uma rede inteira e definir prioridades da distribuição de energia.
Especialistas explicam que o problema dos atuais sistemas elétricos é a falta de tecnologia da informação. Eles não incorporaram avanços da telecomunicação, da eletrônica. São manuais, arcaicos. A rede inteligente utiliza cabos supercondutores, transformadores inteligentes, sensores eletrônicos, monitores residencias e subestações de energia mais modernos.
A geração também seria descentralizada. Segundo Cyro, a rede inteligente exigiria a instalação de paineis de energia solar e pequenas unidades eólicas nas próprias cidades. Isso seria associado à instalação de baterias para armazenar a energia. Esses geradores ficariam ainda interligados com a rede. Injetariam energia no sistema quando necessário. Isso estaria sendo testado em Portugal.
— Muda toda a lógica da operação. Em vez de depender de usinas interligadas em grandes blocos, o smart grid incentiva surgimento de pequenos fontes geradoras capazes de atender à demanda das próprias cidades, de pequenas regiões.
A implementação da rede inteligente (leiam mais no post abaixo) nos EUA está estimada em US$ 160 bilhões. O governo Obama está iniciando o processo com gastos de US$ 8 bilhões (US$ 3,4 do governo e US$ 4,6 da iniciativa privada). Como o prejuízo anual para o país por causa das falhas de energia chegam a US$ 150 bilhões por ano, o investimento vale a pena.
O consumo per capita de energia no Brasil é cerca de 10% do americano, então os custos para a implementação dessa rede por aqui são bem menores. De acordo com Cyro Vicente Boccuzzi, do Fórum Latino-americano de Smart Grid e da consultoria ECOee, para cobrir os grandes centros do país seriam necessários investimentos em torno de US$ 20 bilhões.
Ele acha que a política energética do governo Lula está focada na oferta de energia e se esquecendo de modernizar a distribuição.
- Vamos construir usinas hidrelétricas que estão a dois mil quilômetros dos grandes centros de consumo. Teremos que construir uma rede imensa de transmissão, para levar um volume enorme de energia. Esse modelo é antigo e está sendo repensado em todo o mundo. Precisamos mudar a lógica econômica, criando incentivos para a geração local de energia pelas empresas e pelas próprias pessoas - afirmou.
Pelos cálculos do Departamento de Energia dos EUA, essa rede inteligente promoverá redução de 4% do consumo até 2030, gerando economia de US$ 20,4 bilhões. Ela também permitirá que 20% do consumo venha de fontes renováveis até 2020.
O professor de engenharia elétrica da Coppe, Djalma Falcão, acha que a reforma do sistema elétrico brasileiro precisa começar pela legislação. Ele explica, por exemplo, que os consumidores hoje não podem interligar à rede geradores de energia particulares.
- Hoje, só se pode gerar energia em separado, sem conexão com a rede, como acontece nos grandes eventos, por exemplo, que possuem geradores particulares. Mas já existe tecnologia para que isso seja feito sem prejuízo à rede. Como a legislação não permite, ninguém faz. Se fosse possível, o uso de fontes renováveis, como os paineis solares, seria estimulado porque os consumidores forneceriam à rede a energia não consumida, tendo ganhos econômicos - explicou.