Menos de uma semana depois de revelada pela revista "Veja" a prova da ação de arapongas contra a privacidade do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, temos a diretoria da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) afastada - medida correta, tomada no tempo certo -, a Polícia Federal em campo, e a CPI dos Grampos, tendo recebido um imprevisto choque de adrenalina, em fase de tomada de depoimentos de personagens ligados de alguma forma ao caso. Entre o vozerio de declarações variadas, e estocadas políticas dadas dentro e fora do governo - internamente, o ministro Nelson Jobim tem sido acusado por certas áreas de ajudar no afastamento do comando da Abin -, é importante não se perder em questões secundárias. O ponto central é o desvio da atuação de agentes públicos - do Executivo, do Judiciário e do Ministério Público -, que atropelam prerrogativas individuais e ameaçam o estado de direito. Quando a PF, em aliança com a primeira instância da Justiça e o MP, age ao arrepio da Constituição, a sociedade entra numa zona de perigo, rumo a um quadro que em nada se diferencia daquele dos regimes autoritários, em que a lei tem sempre valor relativo. Quando tem. Nesse sentido, é de grande importância o STF ter se colocado à frente da resistência às investidas contra os direitos da sociedade: da banalização no uso das algemas à visível proliferação sem controle do grampo ilegal, e do legal, permitido sem maiores cuidados por juízes de primeira instância. Há desdobramentos imprescindíveis do caso de arapongagem sobre o ministro Gilmar Mendes, como a identificação e punição dos culpados. Mas o problema não se esgota aí. Existem, também, providências a serem tomadas no âmbito de Executivo, Legislativo e Judiciário destinadas a conter o avanço do braço policial e de investigação do Estado para além de limites estabelecidos na Carta. A questão é bem mais ampla, e a oportunidade desse escândalo tem de ser aproveitada para que a Justiça e a banda boa do Executivo e do Congresso tratem de fazer recuar para dentro das fronteiras da legalidade essas forças do arbítrio infiltradas em aparelhos do Estado. Por isso, tem relevância a ação impetrada pelo PPS no STF contra o decreto presidencial que integra os organismos policiais, de inteligência e vigilância do governo federal, permitindo que eles tenham acesso a todos os arquivos com dados da população - sejam as informações existentes na Receita, INSS ou nas fichas da PF. Será institucionalizada a invasão de privacidade. Se o decreto não vier a ser revogado, o Estado brasileiro terá se convertido no Grande Irmão capaz de tudo bisbilhotar. E de maneira formalmente legal. Descobrir e punir quem espionou o presidente do STF é apenas parte da resistência a que o estado policial amplie o cerco à sociedade. |