Política
Rússia: em que ponto nos encontramos?
Cheney: "ok, vamos lá explicar a "big picture" aos ingénuos deste mundo". Desde o reinado de Clinton,
sempre apoiando a Rússia que Yeltsin demolia, foram adoptadas as teses do "ideólogo democrata"
Zbigniew Brzezinski, sistematizadas em 1997 em “
The Grand Chessboard” – a Nato deveria expandir-se para leste e a UE integrar os antigos paises satélites soviéticos , os EUA deveriam tomar posição no Cáucaso e procurar atrair a Ucrânia e a Geórgia. Assim aconteceu de facto com as “
revoluções coloridas”. O último acto dessa estratégia é a extensão do sistema antimissil americano à Polónia e República Checa.
O tabuleiro geopolítico desenha-se em torno do petróleo, e do gaz e é em torno do Cáucaso que se têm descoberto grandes reservas ultimamente. A guerra anti-terrorista é para disfarçar; por isso a primeira acção
pós 11/9 foi a de invadir o Afeganistão com a intenção de estabelecer uma testa de ponte próxima. Citando,
Paul Wolfowitz dizia em 1991: "
With the end of the Cold War, we can now use our military with impunity" - alguns anos depois, com a tomada de poder pelos Neocons, o "ideólogo republicano" de serviço é Henry
Kissinger, a outra "manu militari" do mesmo Imperialismo.
Durante a infame década de 90, sob o
governo de Boris Yeltsin e dos seus conselheiros económicos dirigidos pelos EUA, Anatoly Chubais e Yegor Gaidar, toda a economia russa foi posta à venda por "preços políticos" escandalosamente abaixo do seu valor real.
Em meia dúzia de anos a grande potência industrial que era a Rússia converteu-se num país do Terceiro Mundo. O seu PIB (de 144 milhões de habitantes) é mais baixo que o dos Países Baixos (16 milhões de habitantes). A União Soviética retrocedeu economicamente mais de100 anos. No momento da revolução socialista, em 1917, o PIB per capita era de 10% em relação ao dos americanos. Em 1989, apesar do facto de a União Soviética ter chegado ao fim da Segunda Guerra esgotada e praticamente destruída, o PIB per capita alcançava 43% do índice dos americanos.
Hoje, o PIB per capita russo é menor que 7% do índice dos cidadãos dos EUA. Depois disto, ler num jornal de hoje que na Rússia existiu ou existe “
um milagre” económico capitalista, um quarto segredo de fátima que só contaram para a jornalista Dulce Furtado, é mais hilariante que rir a bandeiras despregadas, junto do túmulo de Yeltsin, com uma excursão de mujiques encharcados em vodka
Depois de casa roubada, trancas à porta. Vladimir Putin, um antigo oficial do KGB, é presidente da Rússia desde 2000. Então, o seu estilo criou, por contraste com o de Boris Yeltsin,
a imagem de uma liderança forte e esclarecida. Hoje é visto como um líder autocrata e determinado a fazer da Rússia uma grande potência.
Anna Politkovskaya, jornalista e activista dos
direitos humanos (fora de Guantanamo, do Afeganistão e do Iraque) alinhada com os pontos de vista ocidentais, foi das primeiras vozes a denunciar, por encomenda, esta deriva autoritária. Mas também, no mesmo livro,
ela própria descreveu a situação:
“Nós, os que vivemos na União Soviética, onde quase todos tínhamos um emprego estável e um salário com que podíamos contar, que tínhamos uma confiança inquebrantável e ilimitada no que o amanhã nos traria. Nós, que sabíamos que havia médicos capazes de nos curarem de todas as doenças e professores capazes de nos ensinarem tudo; e que sabíamos também que não teríamos de pagar um tostão por tudo isso. Que tipo de vida pretendemos levar hoje? Que novos papéis nos foram dados?
As mudanças desde o fim da era soviética foram a triplicar. Primeiro, passámos por uma revolução pessoal (em paralelo, claro, com a revolução social), quando a União Soviética se dissolveu durante o consulado de Boris Yeltsin. Tudo desapareceu de um momento para o outro: a ideologia soviética, as salsichas baratas, o dinheiro no bolso e a certeza de que havia um Paizinho no Kremlin que, ainda que fosse um déspota, pelo menos era responsável por nós.
A segunda mudança
veio em 1998 com o défice e a bancarrota. Muitos de nós tinham conseguido amealhar algum dinheiro nos anos que se seguiram a 1991, quando a economia de mercado foi efectivamente introduzida e houve sinais de aparecimento de uma classe média. Uma classe média à russa, convenhamos; não uma classe média como a que podemos encontrar no Ocidente (sem dimensão para suportar a democracia e o mercado, tal e qual está a acontecer com a decadência no Ocidente). Da noite para o dia, tudo isto desapareceu. Por essa altura, muitas das pessoas estavam tão cansadas da luta quotidiana pela sobrevivência, que não tinham forças para enfrentar um novo desafio, pura e simplesmente deixando-se afundar sem vestígios”.
(Cerca de 150 milhões de habitantes da ex-União Soviética - isto é, o número de habitantes de França, Reino Unido, Países Baixos e Escandinávia reunido - mergulharam na pobreza nos princípios dos anos 90. Hoje vivem com menos de 4 dólares por dia. O número de pobres que vivem com menos de um dólar por dia multiplicou-se por vinte)
“A terceira mudança veio com Putin, quando embarcámos num
novo estádio do capitalismo russo com aspectos neo-soviéticos evidentes. A economia na era do nosso terceiro presidente é um curioso híbrido resultante do cruzamento do mercado livre, dos dogmas ideológicos e de retalhos variados. É um modelo que põe a ideologia soviética ao serviço do grande capital privado. Há uma quantidade aterrizadora de pobres, gente na verdade miserável. Junto a isto, um velho fenómeno está de novo a florescer: a nomenklatura, uma elite dirigente, a grande classe dos burocratas que existia no tempo dos sovietes. O sistema económico pode ter mudado, mas os membros desta elite adaptaram-se. A nomenklatura gostaria de viver a grande vida de uma elite de negócios da “Nova Rússia”, mas os seus salários são pequenos. Não têm vontade nenhuma de regressar ao velho sistema soviético, mas o novo sistema também não lhes serve de forma ideal. O problema é que ele requer lei e ordem, algo que a sociedade russa vem pedindo com cada vez maior insistência, e desta forma a nomenklatura tem de gastar a maioria do seu tempo a contornar a lei e a ordem para promover o seu próprio enriquecimento.
E o resultado disto tem sido que
a velha-nova nomenklatura de Putin elevou a corrupção a patamares nunca antes sonhados na era dos comunistas ou de Yeltsin. Está hoje a devorar os pequenos e médios negócios e, com eles, a classe média. Entretanto, oferece aos grandes e supergrandes, os monopólios e as empresas quase-estatais, a oportunidade de se desenvolverem. (Na Rússia, isso quer dizer que estas são as fontes favoritas de suborno da nomenklatura). É o tipo de empresas que na Rússia produz os mais elevados e estáveis lucros não apenas para os seus proprietários e gestores, mas também para os padrinhos que tem na adminstração estatal. Na Rússia não existem grandes negócios sem padrinhos, ou “curadores”, na administração estatal.
Toda esta conduta condenável nada tem a ver com as forças de mercado”.
Concluindo: lá como cá, as oligarquias sustentam-se de molde similar, usurpando os meios colectivos geridos pelo Estado em proveito próprio. O modo como a máfia russa tomou as empresas estatais russas não é muito diferente dos métodos dos serventuários das multinacionais ocidentais que tomaram o poder a golpes de assaltos na Bolsa.
Mais da metade dos actuais multimilionários no mundo procedem de apenas três países: os EUA (415), a Alemanha (55) e a Rússia (53). As “elites” parabushistas que actualmente governam antidemocraticamente os EUA, a Europa ou a Rússia oligarca de Putin são todos farinha do mesmo saco, são todos filhos da mesma mãe:
o neoliberalismo – que deverá a breve trecho, por via da falência, “ser enviado para o caixote do lixo da História” como diria Marx.
“
Ignoram os déspotas que o povo, a massa sofredora, é o verdadeiro chefe das revoluções”
José Marti
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