Sinal ruim Míriam Leitão
Política

Sinal ruim Míriam Leitão



Autor(es): Panorama Econômico
O Globo - 28/11/2008

A Petrobras é a maior empresa do país. Até outro dia, tinha sonhos delirantes de investimento. De repente, precisa da Caixa para capital de giro. O fato levanta dúvidas: o que está acontecendo com a Petrobras? Qual é a função da Caixa Econômica Federal? A Petrobras, recentemente, divulgou o maior lucro trimestral da sua história e a ação despencou no dia seguinte.

As ações caíram 13%, depois da divulgação de um lucro recorde, por bons motivos: achou que havia pouca transparência em vários dados das despesas da empresa. Era gasto de R$1 bilhão com consultoria, outros R$2,378 bi de despesas não especificadas - no trimestre anterior havia sido de R$956 milhões. Houve um aumento total de 41% nas despesas. Por ser pública, por ser empresa de capital aberto, ela tem que ser mais transparente.

A esperança dos analistas é que, com a desaceleração mundial, alguns custos sejam reduzidos, como aluguéis de plataforma e de equipamentos. No início do mês, a Petrobras cancelou todos os eventos internos. Até os contratos já assinados com empresas prestadoras de serviços foram atingidos: a ordem foi cancelar, ver o que poderia ser adiado e, em último caso, negociar as multas.

A grande dúvida é em relação à capacidade de investimento da Petrobras a longo prazo. O mercado acha que os investimentos não se manterão tão elevados - estavam em R$34 bilhões até setembro - por causa das quedas no consumo e no preço do petróleo.

- Outubro mostrou uma mudança de paradigma, por causa da crise. A discussão é para saber se os investimentos vão se manter nos níveis atuais. O investimento é alto e o retorno, no curto e médio prazos, é pouco - diz Michelle Pereira, analista da Modal Asset.

A Caixa Econômica é a principal financiadora da construção, num momento em que o crédito está mais raro e mais caro. A MP 443 dava a ela o direito de criar uma empresa, a Caixa Par, para comprar participações nas construtoras. A idéia era ruim e foi rechaçada pelas próprias construtoras, que precisam que a Caixa continue a ser o que sempre foi: a maior financiadora do setor imobiliário do país, e não passar a ser o banco das emergências das próprias estatais.

Claro que a Caixa vai além da construção. O empresário Roberto Kauffman explica que a construção civil tem dois locais de recursos, o FGTS e a caderneta de poupança. É de lá que sai o dinheiro emprestado pela Caixa para o setor. Os recursos do FGTS só podem ser usados para habitação de interesse social, saneamento básico e transporte. Os da poupança, só para habitação. A Caixa não pode emprestar dinheiro dessas duas fontes para outros fins. Ele acha que são fontes diferentes, e que a Caixa pode emprestar para quem quiser, desde que não mexa no FGTS e na poupança.

A operação de captação para capital de giro é rotineira e, em outros momentos, seria visto como normal. Mesmo com esta ressalva, é bom lembrar que a Petrobras, sendo a maior empresa do país, tem uma enorme capacidade de captação aqui e no exterior. Lá fora a crise está mais grave, mas ela não pode ir pelo caminho mais fácil e tomar recursos no próprio setor público. Desta forma, as estatais acabam monopolizando os recursos disponíveis nos bancos públicos num momento que há escassez de recursos no mercado.

Os dados da semana mostram um país sem crise, aparentemente: o crédito cresceu, a dívida pública líquida caiu para 36% do PIB. Mas há nuances por trás dos números. No crédito, está havendo uma concentração para grandes empresas. O volume permanece o mesmo, mas uma empresa menor só consegue renovar seus financiamentos a juros cada vez mais altos. No superávit primário, uma nota preocupante: as estatais tiveram, em outubro, déficit de R$2,8 bilhões. Na dívida pública, um alerta: não se deve comemorar uma queda que é puramente reflexo de conjuntura cambial. Esses dados não podem dar a impressão ao governo de que está tudo bem com as contas públicas.

A grande questão em relação à operação Caixa-Petrobras é que a competição fica desleal. Imagina se qualquer empresa, mesmo das grandes, for à Caixa pedir R$2 bi para capital de giro. Terá essa mesma facilidade, mesmo não sendo esta a vocação do banco? Por ser grande demais, e estar agora voltada a captar dentro do mercado interno e junto a bancos públicos, a Petrobras desequilibra o mercado de crédito. Se fosse captar competindo com outras empresas, junto a outros bancos, seria normal. Mas indo à Caixa, é um duplo sinal ruim: de favorecimento, e de problemas urgentes.

Mesmo quem acompanha com atenção as decisões diárias da economia já se perdeu na quantidade de vezes que se sacou do FAT e, agora, do FGTS, para acudir emergências. É preciso cuidado com os fundos de poupança compulsória, porque eles têm destinação específica.

Estes são tempos difíceis, que não comportam tanto ruído como está acontecendo na economia brasileira. Ora o governo bate no peito para dizer que só aqui não há crise e que o país vai crescer 4% em 2009; ora saem medidas aos borbotões, criando exceções e facilidades; ora a maior empresa estatal do país pega um inusitado empréstimo junto a um banco público não especializado neste tipo de operação.




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