Como de hábito, Lula não estava a par da questão, mas foi apresentado
ao pequeno-burguês e se certificou de que ele existe e, como já era
tarde para voltar atrás, entendeu o papel inédito que lhe cabia em
favor da estabilidade social, pela própria definição de social-
democracia: qual seja, como povo. E fez-lhe uma barretada.
O acesso de qualquer brasileiro à classe média já estava garantido
mediante três refeições por dia.
O revisionismo, que foi o berço da social-democrata, não lhe mereceu
consideração, mas Lula entendeu que devia uma referência simpática à
classe média, pois entre a burguesia e o proletariado, personagens
clássicos, a pequena burguesia ganhou peso político e se encaixou na
sociedade de consumo como lastro estabilizador da democracia no século
20. Com a chegada dos sovietes ao poder na Rússia, em 1917, a classe
média foi depreciada pela ortodoxia marxista e lhe foi recusado o
status de classe social. Não teve vida folgada na primeira metade do
século 20 mas, na segunda, vista com outros olhos, reapareceu com
outra cabeça e folgou no espaço disponível mediante reformas sociais,
dado o custo exorbitante das revoluções.
Foi o mesmo no Brasil, onde nem revoluções nem reformas resolveram o
impasse do atraso político.
Antes de assimilar a convicção social-democrata, a mais conservadora
(e mais qualificada) tendência política nacional à época tomou
emprestada a definição em 1946, mas nosso PSD, em vez de cuidar da
social-democracia, praticou o que se chamou pessedismo, um modo
tradicional de governar sem exagerar. Foi um passo sem sair do lugar,
a marca do pessedismo.
Depois da ditadura seguinte (1964/1985) veio o PSDB com reformas
oferecidas em leque, sem menosprezar a concorrência do PT nem esquecer
a multiforme democracia.
Os dois mandatos petistas de Lula refletiram o anacrônico sestro
ideológico: desconfiança em relação à classe média, que está para a
democracia brasileira como o pré-sal para a economia, e boas relações
como capital de giro. Lula e a moçada do PT confundiram, logo de
saída, o social com o sindical. Mas, na aposta federal, acertaram no
milhar. Nas três primeiras eleições presidenciais, o PT ficou em
segundo lugar em todas. Depois, não perdeu nenhuma.
Mesmo assim, o petismo e o próprio Lula mantiveram hostilidade juvenil
à social-democracia como ideia a que não foram apresentados.
Pelo visto, no entanto, em um mês a presidente Dilma Rousseff está se
saindo uma social-democrata sem se dar conta. Porque o dilema do PT é
não ser ortodoxo nem reformista. Ficou prisioneiro da hesitação. Quis
inventar um Brasil do nada, como se não estivessem acumulados cinco
século de mal contada História colonial.
A ascensão de Dilma Rousseff é o resultado de uma operação eleitoral
que pode ter sido o ponto culminante do roteiro do ex-presidente, mas
não está livre de consequências imprevisíveis para a ideia original de
voltar em 2014. Ou, aproveitando a do Mundial de futebol, prevista
para aquele ano, pode ter sido um gol contra. Não autoriza otimismo a
variedade de raciocínios que se podem fazer dentro da normalidade.
O modo pelo qual a sucessora atende à expectativa dos brasileiros é um
fenômeno sem precedente histórico: o primeiro mês de governo foi uma
lição de civilidade no trato com bandidos, adversários e aliados de
todos os calibres éticos.
Pode-se dizer, por elegância e consideração, que a presidente Dilma
tem polimento social-democrático e sabe que ninguém ascende à classe
média apenas por passar a fazer três refeições por dia.
Wilson Figueiredo escreve nesta coluna aos sábados e terças-feiras.
FONTE: JORNAL DO BRASIL