Política
Três Mitos do Liberalismo Tuga
A existência de ideologias é um requisito central para que a atividade política não se resuma aos puros jogos de poder. A ideologia é a responsável por garantir que a política seja mais do que uma simples batalha clubística. Neste sentido, foi naturalmente com bons olhos que foi encarada a ascensão ao poder no PSD de uma linha política assumidamente liberal. Concordando-se ou não com a mesma, a sua afirmação num partido com históricos problemas de definição ideológica gerou boas expetativas quanto à clareza na sua atuação. No entanto, a gestão e prática política atabalhoada por parte do atual Governo levou a que se tivessem insistido em alguns mitos cuja realidade tem-se encarregado de desmascarar de forma dramática, manchando assim de forma quase desnecessária a referida ideologia liberal. Vejamos alguns exemplos.
Um dos maiores mitos veiculados pela campanha eleitoral de Passos Coelho foi o de que era possível acabar com o défice cortando apenas nas “gorduras do Estado”. É certo que na altura não se procurou esmiuçar bem a que correspondiam de facto as referidas gorduras. Infelizmente foram muitos os que subentenderam que tudo se resolveria cortando nalgumas mordomias, nuns quantos gastos injustificáveis e nalguns investimentos ruinosos em curso. Passada pouco tempo, a crua realidade veio demonstrar que as famigeradas gorduras correspondiam a cortes nos salários, ao recuo da educação, saúde e segurança social, devidamente condimentados com subida de diversos impostos. Eis o liberalismo tuga em todo o seu esplendor.
Como segundo mito importa destacar a tão badalada ideia de que o orçamento de um país tem de ser gerido como um orçamento familiar. Ou seja, não se pode gastar mais do que se ganha. Quando tal acontece, há que cortar nas despesas supérfluas. Para se perceber bem a demagogia desta assunção basta observar a derrapagem do défice em curso. Uma economia nacional em nada se compara com uma economia familiar nomeadamente porque, enquanto uma família até pode procurar reduzir o seu consumo abruptamente, poupando assim na despesa, tal comportamento por parte de um Estado acarreta uma quebra na receita fiscal. Uma família não vê reduzido o seu rendimento por abrandar no seu consumo. Numa economia nacional, é precisamente isso que acontece.
Como terceiro mito do liberalismo tuga destacaria a ideia do “bom aluno”. Segundo os nossos liberais, tal atitude permitirá que os mercados voltem a confiar em Portugal e que possamos a eles regressar com a maior brevidade possível. Assumir o referido pressuposto implica acreditar que os ditos mercados possuem algum tipo de racionalidade ou atuação moral. A verdade é que Portugal tem fugido um pouco à fúria dos mercados sobretudo porque os holofotes têm estado sobretudo centrados nos últimos tempos no caso grego e no perigo espanhol e italiano. Qualquer mudança mínima nas peças do atual xadrez atingirá sem piedade este bom aluno.
Qualquer ideologia tem os seus mitos. Não é isso que as distingue entre si ou sequer os seus protagonistas, mas sim a forma como tais mitos são assumidos. Perante o fracasso em toda a linha das políticas desenvolvidas, quais têm sido os alibis assumidos pelos nossos liberais? Ou um qualquer imponderável não permitiu que estejam a ser alcançados os resultados esperados, ou a receita não tem sido aplicada com intensidade suficiente. Numa analogia com o que se passou no bloco comunista a propósito do socialismo real, Pedro Adão e Silva sugeriu há pouco tempo que nos encontramos agora perante uma espécie liberalismo científico. Ou seja, o problema nunca é da receita prescrita, mas sim do paciente que teima em não recuperar. O problema não é das políticas aplicadas, mas sim do mundo que teima em não aceitá-las.
Artigo publicado na Terça-feira no Açoriano Oriental
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