Um dia de cada vez
Política

Um dia de cada vez



Qual a esperança média de vida do actual Executivo? Durará até ao final do ano? Chegará ao fim da legislatura ou não ultrapassará sequer os dois anos de vida? A verdade é que ninguém sabe. Podem arriscar-se palpites e prognósticos. Podem fazer-se previsões com uma base mais científica ou panfletária. Mas torna-se verdadeiramente impossível prever com a mínima certeza o que vai acontecer. 

E assim acontece, em primeiro lugar, porque o presente já é em si mesmo uma surpresa. Alguém imaginaria que a esquerda conseguir-se-ia unir e suportar um governo como actualmente o está a fazer? Passaria pela cabeça de alguém que a histórica fractura política entre a esquerda moderada e a esquerda radical, com raízes que remontam ao período ainda antes do 25 de Abril, seria tão facilmente ultrapassada? De todo. 

O pragmatismo das atuais lideranças do PS, Bloco e PCP foi determinante. António Costa, goste-se dele ou não, conseguiu reverter um cenário altamente desfavorável numa oportunidade. Estando a sua sobrevivência em causa como líder do PS, usou toda a sua habilidade política para se manter à tona de água, quebrando gigantescos tabus ao ensaiar uma solução de entendimento à esquerda. Catarina Martins e Jerónimo Sousa responderam também com um pragmatismo notável, engolindo todas as críticas anteriormente feitas ao PS e focando-se no essencial. Tentar uma solução que procure virar a página da austeridade em Portugal ou, em alternativa, manter-se comodamente na oposição? Bloco e PCP abraçaram a solução mais pragmática, mais responsável e que era também a menos provável.

Quais são, no entanto, os grandes riscos da actual solução governativa? Acima de tudo, o facto da confiança entre PS, Bloco e PCP ser algo ainda muito recente. Algo que evolui a cada dia que passa, mas em evidente construção. O facto da referida confiança não ser ainda plena determina que qualquer uma das forças políticas também não tenha absoluta certeza sobre quanto tempo durará o actual entendimento. Estão todos empenhados que se cumpra uma legislatura, mas as certezas não existem. 

E quando assim acontece, acabam também por ser indisfarçáveis os sinais externos de navegação à vista. Sente-se que cada parceiro se comporta focado no impacto eleitoral de cada um dos seus posicionamentos, como se as eleições pudessem estar ao virar da esquina. O PS preocupado em aumentar o seu score, depois do desaire das últimas eleições. O Bloco empenhado em não perder os bons ventos dos últimos tempos, procurando mostrar que pode ser-se responsável e vertical ao mesmo tempo. E o PCP querendo demonstrar o seu empenho nesta solução que visa virar a página da austeridade, ao mesmo tempo que não abdica da sua grande base de apoio reivindicativo.

Num cenário em que PS, Bloco e PCP mantêm um equilíbrio difícil apesar de tudo, as surpresas conjunturais são, sem dúvida, um dos principais desafios. E as legislaturas são, como todos sabemos, feitas deste tipo de surpresas. O caso BANIF demonstrou desde logo essa dificuldade de sintonia entre os parceiros. Mas o equilíbrio será sobretudo complicado se as pressões de crise económica aumentarem significativamente, intensificando as pressões externas para a contenção nos gastos públicos e para a aplicação de novas vagas de austeridade.

Tendo em conta o acima exposto, a abordagem de “um dia de cada vez” é com certeza a mais sensata. Ou seja, mais do que adivinhar dificuldades futuras, cada parceiro deve focar-se nos desafios de cada dia, ultrapassando-os da melhor forma possível. E deve fazê-lo sobretudo dando garantias aos Portugueses que existe segurança governativa. Que o entendimento em curso não se desmoronará ao virar da esquina. Um dia de cada vez para demonstrar que o ovo de Colombo da esquerda portuguesa é possível.

Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental



loading...

- O Povo Não Gosta De Desassossegos
Estamos a viver tempos políticos interessantes. Com certeza dos mais interessantes das últimas décadas. O facto de termos hoje um cenário altamente improvável há pouco mais de um mês atrás, onde a cada dia que passa há novidades, há novas perspetivas...

- Cartas Em Cima Da Mesa
Acusações de golpe de Estado, de vitória obtida na secretaria, de subversão dos resultados eleitorais, de quebra de uma importante tradição democrática… As expressões utilizadas pela direita política têm sido mais do que muitas para atingir...

- Quebrar Tabus
Se há uma semana atrás alguém se atrevesse a prever um cenário de negociação dos partidos da esquerda, seria com certeza considerado um romântico. Conceber há uma semana atrás que o PS, PCP e Bloco estariam sequer a discutir tal possibilidade...

- A Verdadeira Maioria
Estamos na semana em que tudo se decide. PS e PSD/CDS encontram-se taco a taco, dando neste momento tudo por tudo para serem a força política mais votada no próximo Domingo. A avalanche de sondagens mostra-nos que nada é certo e o Governo que teremos...

- Os Desafios Do Bloco – Parte 3
No primeiro artigo publicado, sublinhei causas estruturais e conjunturais que levaram aos maus resultados eleitorais dos últimos anos. No segundo artigo, destaquei o impacto destes resultados na estrutura interna do partido. No presente artigo, centro-me...



Política








.