Estamos a viver tempos políticos interessantes. Com certeza dos mais interessantes das últimas décadas. O facto de termos hoje um cenário altamente improvável há pouco mais de um mês atrás, onde a cada dia que passa há novidades, há novas perspetivas e há expectativas crescentes, faz com que a política tenha subitamente voltado a ser discutida intensamente. As pessoas sentem-se obrigadas a posicionar-se: “Existe ou não legitimidade política para um Governo de Costa apoiado pelo Bloco e PCP?”; “Cavaco dará ou não posse a Costa?”; “Como reagirão os mercados a esta nova solução governativa em Portugal?”; “Um Governo de Costa conseguirá aguentar uma legislatura?”. Perguntas que nos invadem todos os dias através dos telejornais, da imprensa escrita, das redes sociais.
No entanto, se estes são tempos interessantes para comentadores e estudiosos, para activistas e amantes da política, a generalidade da população não vive naturalmente o atual momento com o mesmo entusiasmo. Tem opiniões genéricas e posiciona-se sobre o que se anda a passar, mas não anda propriamente a perder o sono com estas matérias. Mais do que estarem interessados em "acordos históricos à esquerda" ou na condenação de supostos “golpes de secretaria”, a maioria dos portugueses espera sobretudo poder ter alguma definição a curto prazo. Quer saber quem é o Governo, quem é a oposição e de que modo tal se refletirá no seu bolso a curto e médio prazo.
A generalidade dos portugueses não passa propriamente os seus serões a ver os debates nos canais de informação. Não compra diariamente o jornal e não anda nas redes sociais a discutir o futuro do país e do mundo. Para a vastíssima maioria das pessoas, a política é algo relativamente distante. Que importa ter debaixo de olho porque o que lá se passa reflectir-se-á nas suas vidas, mas que se acompanha com peso e medida. Assim sendo, a maioria do eleitorado quer sobretudo alguma estabilidade política, que lhe permita enfrentar os seus dias com alguma previsibilidade e evitando surpresas desagradáveis (como a crise em que o país mergulhou nos últimos anos).
Deste modo, deverá ter-se este referencial em mente para traçar e analisar os cenários futuros. Por exemplo, se Cavaco Silva nomear António Costa e rapidamente se formar uma solução de governo que garanta estabilidade ao país, a vasta maioria do eleitorado conformar-se-á com a mesma. PS, Bloco e PCP enfrentarão desafios gigantescos de articulação, de confiança, de posicionamentos, é um facto. Mas se o contexto internacional ajudar e as perspectivas económicas, verdadeiras ou não, continuarem a ser de crescimento, teremos uma solução duradoura e com o necessário apoio popular.
Mas a mesma lógica poderá aplicar-se caso Cavaco decida manter o atual Governo em gestão. É um cenário bastante menos provável, mas o actual Presidente da República já demonstrou ter uma forte queda para a imprevisibilidade. Se por hipótese Cavaco decidisse manter Passos e Portas em gestão, a maioria parlamentar de esquerda enfrentaria dificuldades sérias para deslegitimar o Governo em funções. Apesar dos naturais choques iniciais, rapidamente a maioria da população demonstraria que não quer ir às urnas outra vez. Que gosta pouco de conflitualidade politica e que, por isso, dever-se-á “deixar o Governo trabalhar”.
A estabilidade, a forma como o contexto internacional a propicia ou não e a gestão das expectativas do eleitorado a este respeito, são as questões centrais dos próximos tempos. Qualquer que seja a solução que seja adoptada após o chumbo que hoje ocorrerá do programa do Governo, esta terá de gerir a estabilidade com um dos bens mais valorizados pelos Portugueses. O povo não gosta de desassossegos.
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
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