VEJA Entrevista: Ricardo Hausmann
Política

VEJA Entrevista: Ricardo Hausmann


Entrevista: Ricardo Hausmann
A poupança do pré-sal

Professor de Harvard afirma que o Brasil não pode cair no 
erro da Venezuela de gastar, "aqui e agora", as receitas do
petróleo. É preciso guardá-las para as gerações futuras


Giuliano Guandalini

"A riqueza do petróleo produz dólares, mas não desenvolvimento instantâneo"

Roberto Setton

O economista Ricardo Hausmann conhece a fundo os efeitos negativos que a riqueza proveniente do petróleo, se mal utilizada, pode causar a um país. Atual diretor do Centro para o Desenvolvimento Internacional da John F. Kennedy School of Government, da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, Hausmann dedicou boa parte de sua vida acadêmica a estudar a maldição que castiga a maioria dos países exportadores de recursos minerais. Um exemplo acabado desse fenômeno é seu país de origem, a Venezuela. "O Brasil não deve cair no mesmo erro", diz o economista. "É uma ilusão acreditar que o dinheiro do petróleo poderá ser utilizado em projetos sociais, como o investimento em educação. Esses recursos devem ser poupados, ao preço de trazer instabilidade para a economia." Hausmann esteve em São Paulo na semana passada para apresentar o estudo "In search of chains that hold Brazil back" (Em busca das correntes que prendem o Brasil), feito sob encomenda do Centro de Liderança Pública. O economista conclui que o principal obstáculo à aceleração do crescimento no Brasil é a sucessão de governos que se endividam em excesso, cobram tributos demais e investem menos do que deveriam.

Qual é a maneira mais inteligente e produtiva de extrair riqueza das reservas petrolíferas do pré-sal?
É preciso entender que a riqueza do petróleo produz dólares, mas não desenvolvimento instantâneo. A questão é como e quando usar esse dinheiro. É muito fácil errar, e essa é a razão pela qual a avassaladora maioria dos governos ricos em petróleo produziu desastres econômicos em vez de desenvolvimento. A rigor, o único impacto imediato dos dólares do petróleo é permitir que um país importe mais. Importações maiores elevam o déficit externo e ainda submetem a taxa de câmbio do país ao vaivém das cotações do petróleo, afugentando investimentos privados. Não é coincidência que países como Irã, Equador, Venezuela e Nigéria possuam moedas extremamente voláteis e recebam poucos investimentos produtivos.

Como evitar essa armadilha?
O ideal é que 100% das receitas com petróleo sejam depositadas em um fundo no exterior. Isso impede que os dólares inundem a economia, produzam inflação e volatilidade cambial. É o modelo usado na Noruega, com resultados positivos. O Brasil deveria adotá-lo para evitar a valorização abrupta do real, que significaria uma séria ameaça à sua atividade industrial exportadora. Vários países optaram por esse mesmo modelo, com sucesso. Recentemente ajudei o governo do Cazaquistão a criar seu fundo soberano. O resultado é que a moeda desse país se apreciou bem menos do que a brasileira nos últimos anos, a despeito do boom no preço do petróleo.

O Brasil possui problemas sociais gravíssimos. Por que não trazer esse dinheiro para solucioná-los?
É um engano imaginar que esses dólares possam ser utilizados para pôr fim aos problemas sociais, por mais graves que sejam as mazelas da educação e da saúde. A rigor, há apenas dois destinos possíveis para as receitas do petróleo: poupá-las ou usá-las para comprar ativos dentro do país. Se, em vez de poupar, o país inundar a economia com dólares, vai produzir inflação e deteriorar rapidamente as contas externas. O impacto negativo será enorme, principalmente no câmbio.

O senhor poderia dar um exemplo?
A Venezuela, meu país de origem. Acabo de chegar de uma viagem a Isla Margarita, na costa venezuelana. Não sou ultranacionalista, mas posso assegurar que essa ilha é um dos lugares mais bonitos do Caribe, muito mais atraente do que Aruba. Empresários do turismo adquiriram ali grandes áreas, mas não foram capazes de atrair investidores devido à cotação da moeda local. Quando o preço do petróleo sobe, o câmbio se valoriza rapidamente, inviabilizando a rentabilidade dos negócios de turismo. Resultado: a renda per capita de Aruba é três vezes maior que a de Margarita. A principal explicação para isso? Isla Margarita pertence à Venezuela. Simples assim. Esse é o efeito destrutivo de gerir mal um ativo tão volátil como o petróleo.

Na década de 70, a Venezuela tentou criar um fundo para investir o dinheiro do petróleo em setores industriais estratégicos. Por que não funcionou?
Os recursos foram aplicados em um fundo doméstico, e não no exterior. Foram criadas empresas siderúrgicas com esse dinheiro. O problema é que, quando o preço do petróleo subiu, o câmbio também subiu, e essas empresas não conseguiram manter-se competitivas. Eram todas estatais, pessimamente administradas e pouco eficientes. O dinheiro foi desperdiçado. Mas isso se deu no passado. Piorou ainda mais. Agora, o presidente Hugo Chávez simplesmente torra cada centavo obtido com o petróleo. Ninguém sabe ao certo para onde o dinheiro vai. Há diversos orçamentos supostamente sociais, uma confusão absoluta. Para piorar, o setor do petróleo não tem recebido investimentos, e a produção começa a declinar.

É possível transformar a riqueza natural em desenvolvimento efetivo?
Sim, e a Finlândia é o melhor exemplo. O país era um importante exportador de madeira. Um dia, descobriu que, além de vender o produto, poderia produzir papel. Depois, especializou-se em fazer móveis. Isso o levou a desenvolver o design e o processo industrial. O conhecimento adquirido no processo propiciou a criação de máquinas cada vez mais avançadas. Esse esforço resultou no surgimento da fabricante de celulares Nokia. A Finlândia descobriu que o grande segredo do desenvolvimento econômico é expandir a capacidade tecnológica. Esse exemplo é útil ao Brasil no momento em que o país se vê diante do desafio de explorar o petróleo em águas ultraprofundas. Será necessário desenvolver tecnologias, as quais, com certeza, poderão ser empregadas em outras áreas.

Como o senhor vê a economia brasileira hoje?
O país está em uma situação única na América Latina. Enquanto muitos países ainda procuram maneiras de se integrar à economia global, o Brasil inova em várias tecnologias de ponta na agricultura, no setor energético, na aviação, na mineração e no setor automobilístico, entre outras atividades. O país tem muitas possibilidades, oferece diversas oportunidades para sustentar o crescimento econômico por muitos anos. Os indicadores sociais, como educação e saúde, registraram avanços significativos, e a democracia parece consolidada. São conquistas notáveis. Mas, ainda assim, o país não tem conseguido ampliar o ritmo de expansão, que, apesar da aceleração recente, ainda é tímido para uma economia como a brasileira. Descontado o aumento da população economicamente ativa, o crescimento real tem sido de apenas 1%, um dos piores resultados em toda a América Latina. O mais preocupante é que esse baixo crescimento não se deve aos efeitos de um ciclo econômico negativo.

Por que o país não consegue acelerar seu ritmo?
O principal entrave ao crescimento do país é a falta de poupança do setor público. A origem do problema está nas despesas do governo. O estado deveria gastar menos do que arrecada. Ao fazer isso, a poupança pública aumentaria, deixando espaço disponível para os investimentos privados, que poderiam crescer sem pressionar a inflação. O Brasil possui hoje a maior carga tributária entre todos os países emergentes, e, mesmo assim, as contas públicas são deficitárias. A boa notícia é que, para alcançar esse objetivo, os gastos públicos não precisam ser cortados drasticamente. Basta que o governo deixe de ampliar suas despesas. Com o passar do tempo, o tamanho delas em relação ao PIB acabará caindo naturalmente. O fato é que o Brasil não conseguiu constituir um estado financeiramente viável, que não se endivide em demasia, que não tribute em excesso e que invista fortemente em infra-estrutura.

Que reformas ajudariam nesse ajuste?
"Reformas" virou palavrão. Houve muitas delas na década passada, em diversos países da América Latina, que não alcançaram os objetivos e acabaram sendo desperdiçadas. Se não forem focadas, mudanças têm um grande preço político, sem que se obtenha um benefício significativo. Por isso, as reformas precisam ser bem direcionadas. Nesse sentido, a opção mais óbvia no Brasil parece-me ser a reforma previdenciária. Aqui temos dois problemas. Primeiro, o gasto com aposentados é da ordem de 12% do PIB, algo sem paralelo entre os emergentes. É um custo fiscal exagerado. Além disso, os aposentados possuem uma propensão baixa a poupar aquilo que recebem. O modelo brasileiro é uma das principais correntes que imobilizam a economia do país.

Pelas suas estimativas, qual poderia ser a taxa de crescimento brasileira?
Não existe nada que impeça o Brasil de avançar, de maneira estável e duradoura, em um ritmo de 7% ao ano. É uma meta perfeitamente viável. Com essa taxa, o país galgaria outro patamar de desenvolvimento, dentro de um espaço de menos de três décadas. O crescimento econômico tem o poder de se auto-alimentar e se multiplicar. Se o avanço per capita de um país for de pífio 1% ao ano, como o registrado pelo Brasil na década passada, ao fim de uma geração os filhos serão aproximadamente 30% mais ricos do que os seus pais. Mas se o avanço for de 7% ao ano, como acredito ser possível, os filhos serão cinco vezes mais ricos do que seus pais. Os brasileiros precisam decidir se desejam uma melhora simplesmente incremental, medíocre, ou um salto transformador.

Muitos economistas brasileiros consideram a taxa de câmbio o principal obstáculo ao crescimento. Esse não é um fator a ser levado em conta?
Sim, mas a taxa de câmbio é um reflexo da situação econômica. O motivo pelo qual a taxa de câmbio chinesa é competitiva é que a China possui uma taxa de poupança elevada. No Brasil, o câmbio é um sintoma da síndrome do baixo nível de poupança. Ninguém se livra da febre quebrando o termômetro. É preciso lidar com os obstáculos primeiro.

Dez anos atrás, quando o senhor era economista-chefe do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), foi bastante criticado no Brasil por ter sugerido que o país seguisse o antigo modelo argentino de paridade com o dólar. O senhor mudou de idéia?
De fato, eu imaginava que, para um país com baixa credibilidade internacional, seria melhor dolarizar sua economia ou seguir uma paridade cambial com o dólar. Mas mudei de opinião sobre o assunto. Isso funcionaria naquela circunstância apenas para economias pequenas, sem grande volatilidade cambial. A moeda brasileira, ao contrário, oscilava fortemente. Mas esse debate está superado. Olhe só o caso brasileiro. O país é hoje credor em dólares e está livre do chamado "pecado original", ou seja, a impossibilidade de tomar dinheiro emprestado no exterior emitindo títulos em sua própria moeda. O Brasil avançou muito. Passou de devedor a credor externo e conquistou o grau de investimento. O pecado, agora, seria não poupar a riqueza do petróleo.




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