O governo tem um diagnóstico parcial da inflação e todos, inclusive o
Banco Central, estão incentivando uma perigosa interpretação de que a
inflação subiu no mundo inteiro e que o Brasil não está tão mal assim.
Parecem não ter entendido que o país tem uma história diferente na
relação com esse problema. Não demonstram perceber o risco da
reindexação.
O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, e o ministro Guido
Mantega estavam completamente afinados, mas quem mudou o discurso foi
o BC para afinar o coro com a Fazenda; quando o ideal é que houvesse
sim um coro afinado, mas com a Fazenda entendendo mais decisivamente a
parte que lhe cabe nesse combate, que só funciona em várias frentes.
Para o ministro da Fazenda, "o Brasil não está mal na foto" quando se
trata de inflação. A taxa está no teto da meta e vai superá-la em
breve, mas a "foto" que ele se refere é que relativamente a outros
estamos bem. Tombini tombou na mesma direção e deu números em
transparências que mostravam os outros: Reino Unido, 4%; Índia, 8,8%;
China, 5,4%. Vários países com metas explícitas já ultrapassaram a
meta. Outros, sem metas, estão com taxas altas.
- A inflação é tema de debate internacional. Nos nossos encontros de
banqueiros centrais é assunto recorrente - disse Tombini.
Essa ideia de que se os outros podem, também podemos, elide o fato de
o Brasil ter convivido por 30 anos com uma superinflação indexada, e o
risco é fortalecer os mecanismos de indexação ainda presentes. Tombini
apresentou um mapa-múndi com todos os números e cores para confirmar o
diagnóstico de que é um fato mundial. Admitiu que há "outros
componentes", como uma inflação de serviços, mas que também seriam
"comuns a outros países emergentes", que retomaram o crescimento mais
rapidamente e por isso têm uma inflação maior.
O diagnóstico não está errado, mas é parcial. Ao ser parcial, pode
errar no remédio. Houve aumento forte nos preços das commodities após
a crise de 2008, puxado principalmente pelo crescimento da China e
afetado por problemas climáticos. Mas não é só isso que explica a alta
de preços. No Brasil, ela foi alimentada com aumento forte do gasto
público, incentivo ao crédito e ao consumo que não foram suspensos no
momento certo, por motivos políticos. O país já havia saído da
recessão, mas o governo por imprudência ou cálculo político manteve os
gastos e os incentivos fiscais em 2010.
O ministro Guido Mantega disse que o governo fez "uma redução
significativa" dos gatos públicos e deu os números: as despesas
aumentaram 19,3% em 2010 e vão aumentar 7,1% este ano. Trocando em
miúdos, o que o ministro está admitindo é que num ano em que o país
crescia fortemente, ele estava fazendo uma política pró-cíclica,
elevando as despesas em quase 20%. Aumentar gasto em ano de crise, faz
sentido; mas quando a economia já está acelerada, é uma forma de
contratar mais inflação. Em 2011, as despesas serão maiores do que as
do ano passado em outros 7,1%. "Não devemos poupar armas, devemos usar
todas as armas possíveis contra a inflação, sejam monetárias ou
fiscais", disse Mantega. Palavras fortes, mas que não convencem quando
se comparam com os dados que eles mesmos divulgam. O governo fará
superávit primário porque está arrecadando mais e não por corte de
gastos. Apenas o ritmo de crescimento das despesas é que foi reduzido.
A ideia de que o atual grupo no poder é inventor de uma nova fórmula
econômica atravessou o governo Lula e continua sendo proclamado pela
presidente Dilma.
- Nós todos aqui presentes sabemos que o Brasil passou e passa por um
novo momento na sua história. Nós mudamos, de fato, os caminhos do
desenvolvimento. Quando nós assumimos, de uma forma muito especial, a
convicção de que não havia contradição entre desenvolvimento
econômico, distribuição de renda e inclusão social, nós mudamos os
caminhos que o país tinha traçado até então - disse a presidente.
Isso fica ótimo em campanha eleitoral, mas dado que ela já nos governa
há quatro meses pode restabelecer a verdade histórica. Quem dizia que
havia essa contradição - e que era preciso fazer o bolo crescer para
depois dividir - era o então ministro, hoje aliado do governo, Delfim
Netto, nos anos 70. Não foi o governo atual, nem o de Lula, que
inventou a inclusão. Basta olhar as estatísticas de redução da pobreza
pós-estabilização e qualquer economista constatará que o círculo
virtuoso começou na estabilização. A inflação, como se sabe, tem o
poder perverso de tirar renda exatamente de quem tem menos. Por isso,
não se faz distribuição de renda em meio à inflação alta, o que a
torna o grande inimigo de qualquer projeto de inclusão.
Para ficar claro que o governo atual tem a mesma visão partida da
história recente do Brasil, o presidente do Banco Central, Alexandre
Tombini, começou sua explicação com uma série de dados bons que chamou
de "conquistas da sociedade brasileira nos últimos dez anos." Então
fomos informados de que a virtude começou há dez anos. Pena que esse
tempo não inclua um dos momentos importantes do processo que foi a
introdução da política de metas de inflação em 1999, na qual Tombini
teve participação.