Política
Volta ao passado MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 03/08/11
Financiar inovação faz sentido; ter incentivo fiscal para a indústria automobilística não faz sentido. Reduzir a contribuição trabalhista de setores que empregam muito pode ser interessante; dar dinheiro na mão de exportador no programa "Reintegra" lembra o malfadado crédito-prêmio dos anos 1970. Há velhas e novas medidas na política industrial, mas a conversa é antiga.
O cheiro do novo e do velho, da mesmice e do avanço se misturou nas medidas anunciadas ontem pelo governo e nos discursos feitos pelos ministros e pela presidente Dilma. O ar do protecionismo e da velha política de benefícios setoriais estava tão evidente que arrancou aplausos para o ministro Guido Mantega quando ele falou que "o mercado brasileiro deve ser usufruído pela indústria brasileira e não por aventureiros que vêm de fora."
Não se sabe quem são os aventureiros, mas a indústria automobilística, que terá benefícios, é toda controlada por capitais estrangeiros e terá inexplicáveis incentivos. O setor está com crescimento de vendas e produção. Deu uma arrancada de 9,8% no ano passado e nos últimos 12 meses está com um crescimento de 4,7%. Reclama do câmbio, mas tem se beneficiado dele na importação de autopeças e matérias-primas.
O governo decidiu que nas compras governamentais vai preferir a indústria local. Muitos governos fazem isso. Mas ele estabeleceu que se a indústria local produzir com uma diferença de preço de até 25% a mais ela será escolhida. É um incentivo a ineficiência e ao sobrepreço. A indústria nacional precisará competir pelo aumento da eficiência. Essa decisão foi tomada para lavar os brios nacionais porque as Forças Armadas estão envergando uniformes chineses.
Em vez de analisar os fatores que estão drenando a competitividade dos fabricantes de fardas nacionais, o governo estabelece que aceita que o produtor local cobre um quarto a mais no preço de cada uniforme e qualquer outro bem que o governo for adquirir. A China virou álibi para qualquer política. A ideia de que o mercado nacional pertence à indústria nacional já fez muito mal ao Brasil. Foi na reserva de mercado que o Brasil ficou atrasado duas décadas em informática e não criou a indústria competitiva que pensava criar. O Brasil teve barreiras tarifárias e não tarifárias contra o produto estrangeiro, mas só ficou mais eficiente quando enfrentou a concorrência do produto importado.
Formar especialistas em defesa comercial e aumentar a equipe que cuida desse assunto é uma boa ideia. Foi com processos antidumping e contra subsídios que o Brasil venceu os EUA em alguns casos famosos, como o do algodão. Não se pode ser ingênuo na relação com a China. Os chineses têm investido em infraestrutura e em todos os fatores de produtividade e isso é o correto. Mas usam também o câmbio e outras artimanhas na corrida do comércio internacional. Por isso é preciso ser ágil e eficiente na luta contra a fraude comercial. Essa parte da política anunciada ontem é boa.
Mas há ideias anacrônicas como a do "Reintegra". O governo dará 3% do total do valor exportado na mão do exportador. Não é desoneração tributária. É uma política que lembra o crédito-prêmio que o Brasil foi obrigado a suspender porque foi considerado ilegal pela OMC. É um espanto que seja reapresentada tal política. O cálculo dos empresários é que no mínimo R$ 2,5 bilhões serão entregues aos exportadores. Ao todo, a renúncia fiscal será de R$ 25 bilhões segundo cálculos do próprio Ministério da Fazenda.
A indústria acha que merece e que ainda é pouco porque os industriais estariam sendo punidos pela taxa de câmbio baixa. Eles se aproveitam da taxa de câmbio em compras e importações, mas só reclamam do lado da moeda que os prejudica. O importante não é o câmbio nominal, mas real. Se a taxa de câmbio, por hipótese, subir muito, mas produzir inflação, isso reduzirá o câmbio real e vai dar no mesmo. O lobby do protecionismo simplifica o que é complexo. E há uma velha lei da selva da proteção à indústria: quem paga a conta é sempre o consumidor.
A indústria automobilística terá a prorrogação da redução do IPI por mais um ano se investir em inovação e comprar no mercado local. Bom, as montadoras sempre compram parte das peças aqui e qualquer mudança de modelo, ainda que não tenha avanço tecnológico importante, será apresentado como inovação para pagar imposto menor.
A tentativa de levar a zero a cobrança da contribuição previdenciária de têxteis, calçados, software e móveis pode ser uma boa ideia. Essas empresas, que empregam muito, passariam a pagar um porcentual de 1,5% sobre o faturamento. Haverá um custo que o Tesouro vai cobrir. Ou seja, elas serão subsidiadas. Mas pode ser o começo de uma desoneração da folha e migração para um novo imposto. Apesar de essa experiência permitir que as empresas desses setores paguem menos impostos e de essa diferença ser paga pelo Tesouro - ou seja, pelo meu, seu, nosso - a indústria têxtil saiu reclamando porque acha que não foi contemplada na sua perda de competitividade. As bondades de ontem serão pagas por todos nós, mas os industriais estão animados porque acham que isso é só o começo.
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