A crise só acaba quando termina Vinicius Torres Freire
Política

A crise só acaba quando termina Vinicius Torres Freire


FOLHA DE S. PAULO

Empréstimo-monstro grego não dá cabo da crise; BCE dá mãozinha a
bancos; tumulto grego ainda pode se espalhar

Remendar AS contas de um país pequeno como a Grécia com US$ 145
bilhões, ou R$ 250 bilhões, é impressionante, embora nem isso assente
a crise. Mas extravagante mesmo foi o fato menos notado de que o Banco
Central Europeu resolveu aceitar os títulos públicos gregos como
garantia mesmo que todas as agências de avaliação de risco chamem de
"podre" a dívida da Grécia. Parece um assunto estrambótico, relevante
apenas para "nerds" financeiros. Mas não é, não.

O Banco Central Europeu insinua é que pode imprimir dinheiro para
tapar um rombo grego ou outros.

Do que se trata? Bancos emprestam dinheiro ao governo grego: compram
títulos públicos da dívida grega. Usam esses títulos como garantia
para o dinheiro que eventualmente tomam no BCE.

Em tese, se todas as agências de risco relevantes dissessem que esses
papéis são "podres", o BCE não poderia aceitá-los como garantia. Teria
de pedir mais garantias ou dinheiro aos bancos. Isso é problema. Reduz
o capital dos bancos. Coloca-os sob suspeita. Etc.

Se a Grécia dá calote, os primeiros caloteados são bancos que
compraram títulos, decerto.

Mas tais títulos estão no BCE. Se o BCE aceita papéis gregos "podres",
pode ficar com a conta. Basta o BCE não exigir que os bancos privados
fiquem com o mico, o que o BCE pode ter de fazer a fim de evitar
"problemas sistêmicos". Isso é um cenário limite, de monetização da
dívida grega. Mas, após a crise de 2008/9, essas probabilidades
parecem menos remotas.

De imediato, o que o BCE está fazendo é evitar que os bancos gregos
acabem no vinagre. Os bancos gregos são os principais detentores de
títulos gregos. Se esses títulos não servirem para nada, como
garantias para operações compromissadas com o BCE, podem ter "crise de
liquidez". E até quebrar.

Enfim, a Europa faz gato e sapato de suas normas financeiras a fim de
evitar o calote grego.

Que pode vir mesmo com a dinheirama ofertada.

A fim de receber o dinheiro, a Grécia terá de produzir recessão e
crise social. Se conseguir cortar na carne econômica, pode não
resistir politicamente. O tumulto social pode derrubar o governo. E o
acordo financeiro com o FMI e a UE.

Os governos português e, em menor medida, espanhol já estão sendo
discretamente instados a arrochar suas contas. Vão aguentar
politicamente? A Espanha já tem 20% de desemprego. E se os mercados
decidirem que pode ser uma boa ideia especular com a baixa dos papéis
ibéricos? Isto é, demandando juros mais altos desses governos a fim de
rolar as dívidas deles.

A crise da dívida europeia não acabou. Seu destino, em parte, vai ser
decidido no conflito político e social grego. Por ora, apenas
sindicatos de servidores estão em combate. Com a continuidade da
recessão, mais gente pode entrar na liça. Se o governo e o acordo
gregos caírem, vai haver confusão além das ruas gregas.

Os investidores, gente com dinheiro grosso, "os mercados", podem
começar a pedir juros estratosféricos para financiar a dívida
portuguesa. E daí? Portugal vai cortar ainda mais gastos para honrar o
serviço da dívida? O quanto vai aguentar?

Vai pedir água? Se pedir, como a União Europeia negaria ajuda?




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