O maior perigo da Europa é a exposição cruzada de riscos. O maior
carregador da dívida grega são os bancos europeus. Aliás, os bancos
das maiores economias, Alemanha e França, são exatamente os que mais
emprestaram aos países que hoje estão em risco. E até os que estão em
dificuldade também devem uns aos outros. O pacote de resgate não é o
fim da crise da zona do euro.
Quando a Alemanha e a França emprestam para a Grécia, estão na verdade
ajudando seus próprios bancos.
O mundo está vendo o início de um segundo salvamento de bancos em dois
anos. Se a Grécia decreta moratória, os bancos da Europa estariam em
grande dificuldade. A situação é tão intrincada que a Espanha, que é
um dos paísesalvo dessa crise, está sendo forçada a participar do
rateio emprestando C 9,8 bilhões para a Grécia, quando a própria
Espanha não sabe como vai pagar seus empréstimos de curto prazo. No
país, há uma reação contrária ao empréstimo, até porque os espanhóis
vivem os rigores de um avassalador desemprego.
Para piorar: os países em crise têm dívida cruzada: a Espanha é grande
credora da dívida de Portugal, que é o segundo país da lista dos
encrencados.
Por isso é que a economista Monica Baumgarten de Bolle, da Galanto
Consultoria, acha que a notícia mais tranquilizadora do fim de semana
não foi nem o pacote em si, mas uma decisão do Banco Central Europeu
(BCE): — O BCE decidiu aceitar como colateral para empréstimos
bancários os títulos da dívida grega. A regra era não aceitar papéis
de países que não têm grau de investimento.
A Grécia acabou de ser rebaixada e portanto os bancos que têm títulos
da dívida grega não poderiam, nos empréstimos juntos ao BCE, usar os
títulos gregos.
No gráfico abaixo, note a confusão. De um lado, estão os bancos dos
grandes países (Alemanha, França, Inglaterra, Estados Unidos, Holanda)
e o quanto eles emprestaram para os países em crise. No outro lado,
estão os países com maiores dificuldades financeiras no momento
(Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda) e o tamanho total da dívida
deles só com os bancos dos grandes países. Os empréstimos dos bancos
da Alemanha e da França são mais concentrados em Espanha e Irlanda. Há
tanta confusão que nem cabe num gráfico.
É só para dar uma pálida ideia dos riscos cruzados. Se a Grécia não
for salva, derruba Portugal, que derruba a Espanha, que derruba todos
porque apenas com esses países do gráfico ela tem uma dívida de US$
781 bilhões. E a Itália, que tem uma dívida maior ainda, também tem
credores por toda a Europa.
O pacote ajuda a Grécia a continuar honrando seus pagamentos, mas não
afasta a sombra de o país ter que fazer uma reestruturação de dívida,
chamando os bancos para dar mais prazo e descontos.
Isso levará os bancos europeus a terem perdas.
E essas perdas acabarão sendo cobertas pelos próprios governos.
— Se a Grécia chamar uma reestruturação no futuro, isso pode provocar
uma nova onda de insegurança dos credores em relação aos outros países
— disse Monica.
O grande problema está nas contas do governo grego, que em 2009 teve
déficit de 14% do PIB. Trazer essa taxa para a casa dos 3% em 2014 é
uma tarefa praticamente impossível para um país em recessão.
O governo estima que o PIB cairá 4% este ano, mas há previsões piores,
como a do Morgan Stanley, que prevê um mergulho de 5%. A pior
contração da Grécia aconteceu em 1983, quando o PIB caiu 2,3%. Com
isso, a dívida grega, que hoje está em 115% do PIB, chegará a 140%,
antes de começar a cair.
"Claramente, não se pode ter uma estabilização da dívida em um ano ou
em um curto período. O risco de longo prazo permanece", afirma o
Morgan Stanley.
O economista Sérgio Vale, da MB Associados, acredita que essa crise
tem potencial para trazer de volta o pânico no sistema financeiro.
"O problema de um default grego é que imediatamente outros países
teriam suas avaliações de risco elevadas.
O contágio pode ser muito maior do que em crises no passado, como a
asiática ou a russa, pois trata-se de uma mesma moeda que interliga o
sistema financeiro europeu e uma série de países potencialmente em
crise", disse.
É preciso ainda combinar com os gregos, os alemães, os franceses, os
espanhóis e todos os outros. A União era aceita quanto tudo estava
dando certo. Agora, tudo está dando errado. É o grande teste do euro.