Ao antecipar o anúncio do corte de R$ 50 bilhões no Orçamento da
União, enquanto negocia com sua base no Congresso a aprovação do
salário mínimo de R$ 545, a presidente Dilma Rousseff procura aplacar
as inquietações causadas pelo índice oficial da inflação, de 0,85% em
janeiro, a mais alta em seis anos.
No acumulado de 12 meses, a inflação alcançou 5,99%, bem acima da meta
de 4,5%. Estava cada vez mais claro que, se o governo não demonstrasse
rigor na execução da política fiscal, contendo seus gastos para
reduzir a demanda agregada, as pressões sobre os preços internos se
intensificariam. A alternativa, então, seria o endurecimento ainda
maior da política monetária, com a elevação mais rápida dos juros. Era
indispensável combinar doses razoáveis de rigor monetário e de rigor
fiscal.
Por isso, o anúncio é oportuno, embora ainda não se saiba onde e o que
o governo pretende cortar para chegar aos R$ 50 bilhões. A definição
virá - se vier - na semana que vem, quando for publicado o decreto da
execução orçamentária e financeira. E, depois, será preciso conferir
se os gastos estarão efetivamente sendo cortados.
Questões técnicas devem ter retardado o detalhamento dos cortes. Mas é
provável que o governo não tenha anunciado o que já está decidido para
evitar imediatas reações dos parlamentares com os quais vem negociando
a aprovação do novo salário mínimo. Nessa questão, o governo vem
defendendo com firmeza sua proposta de elevação para, no máximo, R$
545. Ao anunciar os cortes de gastos, o ministro da Fazenda, Guido
Mantega, disse que, se o Congresso insistir em valor maior do que
esse, haverá necessidade de cortes adicionais, e eles serão feitos.
"Não vai ser sem dor", observou Mantega, ao garantir - ao lado da
ministra do Planejamento, Miriam Belchior - que, desta vez, não se
trata de contingenciamento, isto é, a suspensão temporária da
liberação de verbas inscritas no Orçamento até a confirmação da
existência de receita suficiente para cobrir as despesas - prática que
havia se tornado rotineira nos últimos anos. Os cortes serão
definitivos. Segundo o governo, se a receita crescer mais do que o
previsto, o excedente será destinado ao superávit primário ou ao Fundo
Soberano do Brasil (FSB) e não ao pagamento de novas despesas.
Os programas sociais e os investimentos previstos no Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) serão inteiramente preservados. Há
informações sobre seis itens que serão afetados: serão revistos os
concursos e as nomeações de 40 mil servidores, reduzidos em 50% os
gastos com diárias e passagens aéreas, proibida a aquisição de
veículos de uso administrativo, vedada a aquisição de imóveis,
suspensas as reformas de prédios públicos e reduzidas as emendas
parlamentares. As desonerações tributárias, muito utilizadas em 2009 e
2010 para conter os efeitos da crise mundial, não serão utilizadas em
2011. Os subsídios embutidos nos empréstimos concedidos pelo Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social serão reduzidos.
Mas tudo isso é muito pouco num bolo prometido de R$ 50 bilhões. Além
disso, ao sancionar o Orçamento de 2011, a presidente Dilma Rousseff
vetou o artigo que incluía uma lista de projetos, entre os quais
gastos tipicamente previstos em emendas parlamentares - como projetos
culturais e verbas de apoio a programas sociais de entidades não
governamentais -, entre os itens que não podem ser contingenciados. O
veto permitirá cortes nas emendas parlamentares, que totalizam R$ 23
bilhões.
Se efetivamente realizado, o corte de R$ 50 bilhões será muito
profundo, afetando somente as despesas de custeio, ou seja, a
manutenção de uma máquina administrativa cada vez maior, mais pesada,
mais lenta e desproporcionalmente cara, em relação à qualidade dos
serviços prestados à população. Para realizá-lo sem afetar áreas
essenciais, o governo terá de demonstrar grande competência gerencial.
Ainda assim, alguns economistas julgam que esse corte talvez não seja
suficiente para que se alcance a meta de superávit primário do ano.
Seja como for, a presidente Dilma está justificando aqueles que
falaram na herança maldita que lhe deixou o seu patrono.