O governo Lula deixará uma pesada herança fiscal para quem quer que
seja que lhe suceda. O corte anunciado ontem é uma gota num oceano de
gastança. A maior parte da queda do superávit primário foi para
aumento de despesas de custeio, pessoal e Previdência. A dívida
pública bruta cresceu fortemente e isso só não aparece na dívida
líquida pelos truques contábeis.
Confira nos gráficos abaixo.
Em outubro de 2008, o governo destinava para superávit primário 16% da
Receita Corrente Líquida. Hoje, ele destina apenas 6%.
Receita Corrente líquida é o que fica nos cofres federais, depois dos
repasses para estados e municípios. Pelos cálculos do economista
político Alexandre Marinis, sócio da consultoria Mosaico, essa queda
do superávit primário não significou um aumento de investimento.
Antes da crise, o governo investia 5% da sua receita, agora, destina
6%. O aumento foi de apenas um ponto percentual. Mas as despesas de
pessoal, Previdência, custeio e outras despesas obrigatórias, que já
engoliam 79%, foram para 88%.
— Do ponto de vista da sustentação do crescimento econômico no futuro,
é difícil imaginar uso mais ineficiente dos recursos públicos — diz
Marinis.
A Tendências consultoria calcula que as despesas do governo cresceram
em média 7,7% ao ano nos últimos 10 anos enquanto o PIB cresceu bem
menos, 3,3%. Se esse aumento fosse concentrado nos investimentos, o
gasto seria saudável.
O problema é que ele se concentra em salários para funcionários
públicos, reajustes no INSS e nas despesas correntes, que são gastos
para o próprio funcionamento do governo.
Para se ter uma ideia da diferença de valores, nos 12 meses terminados
em março, o governo e o Banco Central gastaram R$ 597,1 bilhões. Desse
total, R$ 154,4 bilhões foram para pagamento de pessoal; R$ 232,8
bilhões, para benefícios previdenciários; e apenas R$ 39 bilhões, para
investimentos.
O único ano em que houve um ajuste fiscal foi 2003.
Depois, o governo aumentou fortemente o número de funcionários; não
regulamentou a única reforma que fez; a da Previdência Pública; e tem
usado truques contábeis para esconder o aumento do endividamento.
Note, por exemplo, num dos gráficos, o aumento dos créditos repassados ao BNDES.
Esse é um dos truques. O governo alega que empresta ao banco, mas na
verdade está aumentando o capital do banco de fomento, que concede
empréstimos subsidiados muitas vezes para as próprias estatais.
— O Tesouro empresta para o BNDES com juros em torno de 5%, só que
paga 9,5% de juros, que é a taxa Selic, para rolar a própria dívida.
Ou seja, o Tesouro está tomando prejuízo na operação — explicou Felipe
Salto, da Tendências.
A declaração do ministro Guido Mantega de que será feito um corte de
R$ 10 bilhões e o aviso do ministro Paulo Bernardo de que "vai doer"
não impressionam.
Ao longo dos últimos anos o governo ampliou de forma extravagante seus gastos.
Essa é a herança que ficará para a próxima administração.
Marinis acha que se tivesse mantido constante, depois de 2003, as
despesas de pessoal e custeio em relação ao PIB, o governo poderia ter
aumentado em 45% os investimentos. Felipe Salto acha que o corte
anunciado serve para apagar incêndio.
— O governo tem que fazer cortes pensando num horizonte mais longo. O
que foi anunciado é mudança de curto prazo para apagar incêndio. Por
não ter feito isso antes, teremos mais juros e crescimento menor do
PIB a partir de 2011. Crescer um ano é fácil, mas a partir do ano que
vem vamos entrar num ciclo de crescimento mais baixo — afirmou Salto.