O fundo da discórdia Como o fundo soberano feznascer um conflito
O Fundo Soberano do Brasil é um desejo antigo do ministro da Fazenda, Guido Mantega. Inspirado em iniciativas de grandes países exportadores de petróleo, como os Emirados Árabes e a Noruega, seu objetivo original era conter a desvalorização excessiva do dólar, preservando a competitividade das exportações locais. Essa era a ideia antes da falência do banco de investimentos Lehman Brothers, em setembro, e do vendaval externo que se seguiu a ela. Com a crise, o problema se inverteu. O preço do dólar já aumentou mais de 30% no ano e a arrecadação fiscal passou a cair. Não há mais excesso de recursos, mas falta deles. Diante do novo cenário, imaginava-se que o projeto de um fundo soberano fosse enterrado. Mas o governo o manteve. Só mudou seus propósitos. Os recursos, segundo a última versão da proposta, serão em reais, e não mais em dólares. Além disso, o fundo soberano brasileiro funcionará no Brasil, e não mais no exterior. Financiará empresas e projetos de infraestrutura, ajudando, quem sabe, a desemperrar as obras do PAC, o Programa de Aceleração de Crescimento (veja a reportagem). Da ideia original, só restou o nome. Essa versão alterada do projeto foi aprovada pelo Senado na madrugada do dia 18 de dezembro, nos instantes que antecederam o recesso parlamentar de fim de ano. A aprovação ocorreu por pouco. Mesmo assim, por uma manobra da oposição, o governo não conseguiu criar uma fonte de crédito para a sua constituição. O resultado foi que, do jeito que foi aprovado, o fundo não teria recursos disponíveis para começar a operar a partir de 2009, como queria Mantega (exceto por despesas emergenciais, o governo é proibido de fazer gastos para os quais não existam receitas previstas na Lei Orçamentária aprovada no ano anterior). Derrotado, o governo não se entregou. Manteve o seu desejo soberano de botar seu fundo para funcionar já em 2009. Na semana seguinte, às vésperas do Natal, Mantega se reuniu com Lula e saiu do encontro com a decisão de fazer uma medida provisória (MP), driblando, assim, as restrições impostas no projeto sancionado pelos senadores. Assinada no dia 24 de dezembro, a MP 452 criou um crédito de 14,2 bilhões de reais para que o fundo entre em operação quanto antes. O dinheiro sairá da emissão de títulos públicos – ou seja, por meio de novas dívidas do governo. Os líderes dos principais partidos de oposição sentiram-se traídos e reagiram. Na segunda-feira (29 de dezembro), ingressaram no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade para derrubar a MP 452. "A edição da MP foi uma afronta ao Legislativo", afirmou o presidente do PPS, Roberto Freire. O veredicto caberá aos ministros do Supremo. De acordo com o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra, a medida provisória se choca contra uma decisão anterior do STF que estabeleceu ser ilegal criar créditos que não sejam emergenciais por meio de MPs. "Emissão de dívida tem de ter previsão orçamentária. Isso no mínimo é burlar a decisão do Congresso", disse o presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia. Segundo o senador tucano Tasso Jereissati, por ter natureza privada, e não pública, o fundo proposto pelo governo permitirá ao Planalto gastar onde quiser, até em período eleitoral. "Nem o governo militar teve coragem de dar inteiro arbítrio do Executivo para gastar onde quiser. O governo usou um embuste. Disse que estava fazendo um fundo soberano, de natureza externa, simplesmente para pegar dinheiro do orçamento." À parte o imbróglio político e jurídico, o fundo levantou críticas também no campo econômico. Isso porque ele não nascerá de uma poupança do governo, mas do aumento da dívida pública. "Esse fundo só terá sentido quando passarmos a receber os proventos do petróleo explorado no pré-sal. Isso caberá ao presidente que tomará posse em 2019. Não há nenhuma pressa que justifique MP", afirma o economista Márcio Garcia, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Na avaliação de Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central e economista-chefe do Santander, a MP, da maneira que foi feita, abre a possibilidade de o governo contornar as restrições de gastos estabelecidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal. O governo alega que a severidade da crise internacional, que secou o crédito, legitima a urgência na criação do fundo soberano. E considera uma "molecagem" a manobra arquitetada pela oposição para aprovar um projeto vazio, sem fonte de financiamento. A ideia do fundo, segundo a equipe econômica, é que o investimento público mantenha a economia aquecida. Ao lado de Mantega, farão parte do conselho de administração dos recursos o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. O presidente Lula já afirmou que novas medidas de estímulo serão anunciadas no início de 2009. Uma delas será a criação de outro fundo, com dinheiro do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, para aumentar o investimento em grandes obras.
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