VOLTANDO AO médico, que lhe recomendara se exercitar mais para reduzir
o peso, o paciente confessa que engordou. Por outro lado, argumenta,
esse ganho de massa o obriga a um esforço muito maior, aumentando,
como requerido, sua carga de exercício. Caso algum dos 18 leitores
concorde com esse argumento, não terá dificuldade em saudar a execução
fiscal do governo esse ano. Se, porém, reagir como qualquer bom
médico, olhará de forma muito mais crítica o desempenho das contas
públicas.
Concretamente, medido a preços de maio de 2011, o governo federal
registrou até agora um superavit primário equivalente a R$ 46 bilhões,
R$ 20 bilhões maior do que o registrado em igual período de 2010.
Parece se tratar de substancial contenção, como, aliás, argumentado
pelo próprio governo. Não é, todavia, o caso.
Em primeiro lugar, os números revelam o motivo fundamental da melhora
do desempenho: as receitas federais (tributos e outras) cresceram R$
39 bilhões, impulsionado pelo aumento da arrecadação federal, cuja
expansão no período alcançou R$ 44 bilhões. Já o gasto corrente,
exceto transferências a Estados e municípios, se expandiu pouco mais
de R$ 8 bilhões (as transferências cresceram R$ 11 bilhões).
Esse padrão deixa claro que a melhora fiscal resultou integralmente da
receita. Como não houve majoração de impostos, tal elevação parece ter
decorrido do próprio desempenho da atividade econômica. Destacando
entre os tributos federais aqueles mais associados ao ciclo econômico,
nota-se que seu desempenho superou consideravelmente o registrado pelo
conjunto dos impostos: enquanto os impostos cíclicos representam cerca
de dois terços da arrecadação, eles responderam por três quartos do
aumento da receita de janeiro a maio, fato que sublinha a relevância
da atividade econômica no processo.
Posto de outra forma, em vez de o aumento do superavit primário levar
à desaceleração da economia, fenômeno que permitiria ao BC maior
comedimento no uso da taxa de juros para atingir a meta de inflação,
observamos o oposto: o aquecimento da economia levando ao maior saldo
primário.
Como se aprende nos cursos de introdução à economia, trata-se do
funcionamento do chamado "estabilizador automático", isto é, da
flutuação da arrecadação em resposta à atividade (caindo na recessão e
aumentando na expansão) que tende a atenuar a intensidade do ciclo,
mas não, é claro, a revertê-lo.
Portanto, para que se possa medir de forma mais clara o desempenho
fiscal, isolando o que decorre da intenção das autoridades da resposta
natural da arrecadação ao ciclo, é necessário estimar qual seria o
resultado primário a um dado nível de atividade, por convenção o nível
de produto potencial.
Feitas as contas, estimamos que o superavit federal primário dos
últimos 12 meses, ajustado à criatividade contábil de 2010, se
encontraria ao redor de 1,5% do PIB (Produto Interno Bruto) com a
economia operando próxima a seu potencial. Já entre 2003 e 2008 o
superavit primário sob tais condições equivaleria a 2%-2,5% do PIB, ou
seja, a política fiscal ainda estimula a demanda, pelo menos na
comparação com o período mais recente.
Não bastasse isso, a própria inflação mais alta tem ajudado o suposto
esforço fiscal. Caso tivesse atingido nos cinco primeiros meses do ano
valores consistentes com a meta, o gasto real corrente teria crescido
R$ 11 bilhões, e não apenas R$ 8 bilhões. Aqui também invertemos causa
e efeito.
Não se pode perder de vista que o objetivo da política fiscal vai além
da estabilização da dívida e se insere no esforço de moderar o
crescimento econômico para permitir que se atinja a meta de inflação
com o menor juro possível.
Entretanto, por tudo que vimos acima, a melhora fiscal, mais que cura,
é sintoma do aquecimento excessivo da economia. Sem que isso seja
entendido, o peso do ajuste continuará recaindo sobre os ombros do
Banco Central.
ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 48, é doutor em economia pela Universidade da
Califórnia, Berkeley e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco
Central do Brasil
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