Bons ventos Merval Pereira
Política

Bons ventos Merval Pereira


O Globo

Mesmo que por inércia, o Brasil provavelmente chegará à elite do
capitalismo global, mas ainda não se trata de uma certeza. Esse pode
ser o resumo da atualização de cenários prospectivos sobre o Brasil
que a empresa de consultoria Macroplan faz de tempos em tempos, sempre
com uma alta dose de acertos, e que costumo registrar aqui na coluna.

A recorrência da questão "o Brasil tem jeito?" - que motivou uma série
de livros da editora Zahar para debater as perspectivas do país, da
qual fiz parte em 2006 - entre pensadores dedicados à análise de
nossas possibilidades futuras e à investigação da causa dos entraves
nacionais é a constatação de algo preocupante para o economista
Claudio Porto, presidente da Macroplan: a evidência de que está aberta
uma janela de oportunidades sem precedentes para o Brasil - e que pode
determinar o desenvolvimento futuro do país - e, ao mesmo tempo, a
dúvida quanto ao pleno aproveitamento deste momento histórico.

No ano passado, Claudio Porto e o também economista Fábio Giambiaggi,
do BNDES, organizaram o livro "2022: propostas para um Brasil melhor
no ano do bicentenário", que reuniu análises de 31 autores sobre o
futuro do país.

O livro parte das evidências históricas que comprovam que o Brasil
atravessou vários momentos de crises e dificuldades, mas sempre em
processo de acumulação de melhorias, para concluir que o país vive o
seu melhor momento econômico em três décadas.

Cenários econômicos possíveis para a próxima década foram apresentados
no livro, desde os que registram um crescimento sustentado entre 4% e
5,5% ao ano, um sintomaticamente denominado "Capitalismo chinês à
brasileira", no qual a economia global oferece amplas possibilidades
para países emergentes mais bem posicionados, até o que prevê um
choque ortodoxo de capitalismo, improvável do ponto de visa político,
mas que, segundo o estudo, pode ocorrer na medida que o equilíbrio
fiscal tornar-se muito ameaçado e houver uma reação dos agentes
econômicos e políticos no sentido de um ajuste competitivo.

O cenário menos provável prevê uma trajetória de dificuldades
crescentes no cenário externo que obrigam o Brasil a fazer fortes
ajustes no seu modelo econômico.

Na atualização dos cenários da Macroplan, em princípio, há motivos
para o otimismo, registra Porto.

Além de dados positivos como o mercado de trabalho a pleno emprego -
embora os números de fevereiro tenham sido os piores em três anos - ou
o recente anúncio de que o Brasil já é a 6ª economia mundial, Porto vê
bons sintomas de mudanças no ambiente público.

Para ele, não seria exagero dizer que o país, no cenário de crise
internacional, passou a ser modelo no que se refere ao Proer, à Lei de
Responsabilidade Fiscal e à solidez do nosso sistema bancário.

A ampliação do investimento público em 2012 - comum em anos eleitorais
- deve ocorrer também em função do prazo para a Copa do Mundo e
Olimpíadas.

O maior benefício desses investimentos deve ser em áreas urbanas.
Também é esperada a ampliação do programa Minha Casa Minha Vida, que
oferece espaço para participação do setor privado e atende a grande
demanda da população.

Finalmente, o aumento do salário mínimo deve fazer crescer o salário
médio do brasileiro, mas sem grande impacto na inflação.

A Macroplan destaca como fatos portadores de um bom futuro para o
Brasil a óbvia exploração petrolífera do pré-sal, com a possibilidade
de elevar o país à posição de 4º maior produtor de petróleo do mundo
em 2030, a privatização de grandes aeroportos, que Claudio Porto
considera, simbolicamente, uma espécie de "queda do Muro de Berlim" em
relação ao tema "privatização", e a expansão do mercado interno.

A nova classe C terá até 2016 um poder de compra, segundo projeções da
consultoria, que ultrapassará a barreira de R$ 1,4 trilhão.

Os motivos para o otimismo também extravasam as razões econômicas,
analisa Porto. A mobilização social para a aprovação da Lei da Ficha
Limpa e a recente decisão do Supremo Tribunal Federal confirmando a
competência constitucional do Conselho Nacional de Justiça são
episódios que, para ele, têm enviado sinais de que os brasileiros
querem construir uma nova sociedade.

O mais recente sinal portador de um bom futuro ocorreu há pouco,
destaca o estudo da Macroplan: a aprovação na Câmara dos Deputados do
projeto que institui novas regras para a aposentadoria dos servidores
públicos, decisivo para equilibrar as contas no sistema previdenciário
brasileiro.

Uma reforma que se iniciou no 1º mandato do presidente Fernando
Henrique, deu um passo importante no 1º mandato do governo Lula e
finalmente será regulamentada, quase 16 anos depois, no 2º ano do
governo Dilma Roussef.

Uma avaliação da trajetória mais provável desses cenários indica,
segundo a Macroplan, que as perspectivas são positivas.

Mas, se as evidências positivas preponderam, por que ainda nos
questionamos se o Brasil tem jeito? Para o economista da Macroplan, o
que nos impõe a dúvida é a falta, fundamentalmente, de uma visão de
longo prazo para projetos e mudanças estratégicas para o país.

Ele alerta que as análises e as formulações políticas e econômicas no
país são, quase sempre, vinculadas ao curto prazo.

"Num momento propício para lançar o país num novo ciclo de
desenvolvimento econômico, a ênfase da nossa política econômica é
cuidar de emergências, viés que se acentuou após a alta medíocre do
PIB em 2011 e as dificuldades experimentadas pela indústria
brasileira", lamenta.

E infelizmente isso não é casual. Historicamente somos um país com uma
cultura imediatista, com escassa visão de futuro, diz ele. "Sem uma
visão de longo prazo, corremos o risco de desperdiçar as melhores
oportunidades", alerta Claudio Porto.

(Amanhã "Descontinuidades")




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