Celso Ming - Risco nuclear
Política

Celso Ming - Risco nuclear


O Estado de S. Paulo - 15/03/2011


Pode haver algum excesso de emoção na afirmação feita ontem pelo
comissário da União Europeia para Energia, Gunther Oettinger. Ele
observou que "o acidente nuclear no Japão mudou o mundo". E advertiu
que uma rigorosa revisão dos padrões de segurança dos reatores
nucleares europeus poderá fechar certo número de usinas.

Pode afinal não ter mudado o mundo tanto quanto Oettinger pareceu
afirmar, mas alguma consequência importante parece inevitável, mesmo
levando-se em conta que é prematuro qualquer balanço dos estragos e de
suas causas. Os dois últimos grandes acidentes nucleares (Three Mile
Island, nos Estados Unidos, em 1979, e o de Chernobyl, na Ucrânia, em
1986) também paralisaram ou adiaram grande número de projetos de
construção de usinas termonucleares.

Ontem, os governos da Alemanha e da Suíça suspenderam ou pospuseram
seus programas de expansão nuclear. E na Inglaterra, onde se prevê a
construção de 11 novas usinas, o governo pediu reestudo imediato ao
seu chefe da Inspetoria Nuclear, Mike Weightman. Os Estados Unidos,
também vulneráveis a terremotos e a tsunamis, na costa Oeste, ou a
furacões, tão destruidores como o Katrina, na costa Leste, contam hoje
com 104 usinas nucleares, muitas delas construídas sob os mesmos
padrões de segurança que prevaleciam em Fukushima e que, agora,
falharam deploravelmente.

Os engenheiros nucleares se orgulhavam da eficiência dos seus sistemas
redundantes de segurança. Agora viram que foi necessário que esses não
fossem nem o mais forte terremoto nem o mais sério tsunami ocorrido no
mundo para derreter esse orgulho numa tarde.

A catástrofe nuclear de Fukushima só não foi mais séria porque
aparentemente a fusão dos núcleos dos reatores foi contida a tempo e
porque a população adjacente às usinas, muito bem treinada para
enfrentar adversidades desse tipo, foi evacuada a tempo. Esse
certamente será o argumento que as indústrias produtoras de
equipamentos nucleares repetirão diante das autoridades para garantir
o futuro do seu negócio.

Em todo caso, não há como contestar que os atuais padrões de segurança
não são tão confiáveis como se imaginava e que alguns anos mais serão
necessários para desenvolver blindagens contra riscos de catástrofes
naturais e eventuais ataques terroristas. Apesar do forte aumento dos
custos de construção de centrais nucleares, as autoridades do mundo
inteiro serão levadas agora a reconsiderar procedimentos.

Enquanto não houver confiança, será inevitável o aumento da pressão
tanto sobre fontes alternativas de energia como sobre as
convencionais, especialmente sobre petróleo e gás natural.

Num primeiro momento, as cotações do petróleo deverão sofrer o impacto
da relativa desorganização do sistema produtivo do Japão, que
precisará agora de tempo para ser reativado. Enquanto isso, a demanda
por energia será mais baixa. Mas parece inevitável o novo aumento da
importância do petróleo e do gás natural na formação da matriz
energética global (veja gráfico).

Em 2008, a produção mundial de petróleo foi de 86 milhões de barris
(de 159 litros) diários, praticamente equivalente ao consumo. Em 2030,
conforme cálculos de consultorias especializadas, a demanda saltará
para a altura dos 106 milhões de barris diários. Aos atuais níveis de
reposição de reservas, faltarão cerca de 75 milhões de barris para
garantir o suprimento.

Esse déficit terá de ser coberto ou com novas descobertas de petróleo
e gás e/ou com fontes alternativas de energia e/ou maior eficiência na
produção e no consumo.

Os acontecimentos do Japão mostram agora que a principal dessas fontes
alternativas de energia (a nuclear) acaba de receber um golpe
poderoso, o que exigirá mais pesquisas, mais investimentos e sabe-se
lá quanto tempo mais de maturação.

As condições privilegiadas em recursos hídricos, petróleo, gás
natural, bioenergia e potencial eólico beneficiam o Brasil. Mas são de
doer a fragilidade dos marcos regulatórios aqui vigentes, a
incompetência das nossas autoridades - que nem causas de apagões são
capazes de identificar - e o desperdício de recursos públicos em cada
projeto de produção de energia.




loading...

- Obama Aciona As Reservas Celso Ming
- O Estado de S.Paulo Por iniciativa do governo Barak Obama, os países industriais sócios da Agência Internacional de Energia, diante da quebra das exportações da Líbia, decidiram liberar 60 milhões de barris (de 159...

- José Goldemberg O Acidente Nuclear Do Japão
O Estado de S. Paulo - 21/03/2011Existem hoje cerca de 450 reatores nucleares, que produzem aproximadamente 15% da energia elétrica mundial. A maioria deles está nos Estados Unidos, na França, no Japão e nos países da ex-União...

- Celso Ming -mudar O Paradigma?
O Estado de S. Paulo - 17/03/2011 Sempre que acontece um desastre como o de Fukushima, brotam em todo o mundo advertências de que os recursos do planeta Terra são finitos e que é preciso mudar drasticamente os padrões de consumo sob...

- Adriano Pires O Monopólio Da Petrobrás No Setor Elétrico
O Estado de S. Paulo - 17/03/2011Na última década, a Petrobrás partiu para uma integração entre gás e energia elétrica, investindo na construção de um parque gerador que garantisse segurança energética...

- Merval Pereira Acordo No Pré-sal
O GloboOs efeitos da crise política nos países árabes aproximaram os interesses do Brasil e dos Estados Unidos na área de energia, o que pode resultar em acordos importantes, principalmente em relação à produção...



Política








.