Seria impreciso dizer que o Senado chegou ao fundo do poço quando
decidiu constituir um Conselho de Ética ao arrepio do decoro
indispensável à atividade parlamentar. Isso porque o poço em que o
Poder Legislativo resolveu já há algum tempo jogar sua credibilidade
parece não ter fundo.
Entra ano, sai ano, entra escândalo, sai escândalo, os acontecimentos
bizarros não têm fim, medida nem limites.
A presença de oito processados na Justiça entre os 15 titulares do
conselho soa como uma contradição em termos. Agride à lógica da vida
normal, mas está absolutamente de acordo com as regras do Congresso.
Mais: compõe perfeitamente o cenário da degradação. Todos os
integrantes do conselho destinado a zelar pela ética na Casa são tão
senadores quanto qualquer outro. A partir do momento em que seus pares
não impuseram reparos a condutas julgadas no passado e os eleitores
lhes confiaram delegação, podem participar de todas as atividades sem
restrição.
A questão não é o que Renan Calheiros, que trocou a renúncia à
presidência do Senado pela absolvição em processos por quebra de
decoro, ou Gim Argello, investigado pela Polícia Federal e obrigado
recentemente a renunciar à relatoria do Orçamento da União por
suspeita de desvios na distribuição de emendas, estão fazendo no
Conselho de Ética.
A pergunta correta é o que esses e outros estão fazendo no Senado e o
que o Senado faz consigo ao, entre outras façanhas, reconduzir à
presidência da Casa José Sarney e seu manancial de escândalos, cuja
mais recente leva data de dois anos atrás.
Esse episódio do conselho ganhou repercussão, é tratado como um grande
problema, mas é apenas parte do infortúnio que assola o Parlamento e,
em boa medida, a sociedade que não exerce ela mesma o voto limpo
enquanto não se institui de vez a obrigatoriedade legal da ficha
limpa: a indiferença à ética, ao conjunto de valores que disciplinam o
comportamento humano como atributo essencial à vida civilizada.
Pública ou privada.
Embora a completa ausência de pudor, ainda que em grau apenas
suficiente para a manutenção das aparências em colegiado
presumidamente ético, fira os espíritos mais sensíveis, não se
configura uma novidade em face da revogação geral de quaisquer valores
balizadores de condutas.
Em ambiente onde um senador pode roubar um gravador - como fez Roberto
Requião ao surrupiar o equipamento pertencente à rádio Bandeirantes e
apagar do cartão de memória uma entrevista que não lhe interessava ver
divulgada - e ainda assim ser defendido pelo presidente da Casa, não
há poço que seja fundo o bastante para delimitar a fronteira entre a
civilidade de fachada e a selvageria total.
Terra arrasada. Aos arquitetos do PSD não falta ousadia para cogitar
da possibilidade de atrair políticos aparentemente inamovíveis do DEM.
O senador Demóstenes Torres já recebeu convite e, segundo consta,
ficou de pensar. Ninguém menos que o presidente do DEM, senador
Agripino Maia, integra a lista das próximas investidas.
Não se pode dizer que o plano do PSD seja deixar que os últimos dos
moicanos apaguem a luz, porque a ideia é que não reste luz para ser
apagada.
Precedente. A decisão do Supremo Tribunal Federal em favor da posse de
suplentes de deputados levando-se em conta o cálculo da coligação e
não do partido, foi ao encontro do entendimento da Mesa da Câmara, que
resolveu adotar esse critério mesmo antes da sentença do colegiado.
Descumprindo, portanto, a decisão liminar que estava em vigor até
então instruindo exatamente o oposto: que a posse dos suplentes
deveria levar em conta o partido e não a coligação.
A Câmara venceu no final, mas durante três meses ignorou o imperativo
da obediência a determinações judiciais. Um desapreço mediante o qual
o Poder Legislativo subtrai de si e das demais instituições relevância
na sustentação do Estado de Direito.