Ronaldo França, de Copenhague
Reuters |
NÃO FOI DESTA VEZ |
VEJA TAMBÉM |
• Em VEJA de 16/12/2009: COP 15: e a explosão demográfica? |
A 15ª Reunião das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (COP15) tinha uma missão difícil. Fazer com que representantes de 192 países e sessenta comitivas de chefes de estado chegassem a um acordo mundial para a redução de gases de efeito estufa na atmosfera era um desafio e tanto, mesmo na visão dos mais otimistas. Ainda assim, foi surpreendente o que se passou em Copenhague na sexta-feira. Esperava-se que, depois de uma reunião de emergência que começou na noite de quinta-feira e só terminou no dia seguinte, as respeitáveis autoridades conseguissem pelo menos manter as aparências. No entanto, presidentes, primeiros-ministros e príncipes foram embora da Dinamarca de mãos abanando. Deixaram para seus negociadores a tentativa de salvar algum compromisso minimamente palatável, que se traduziu em um documento político. As preocupações legítimas com o fenômeno climático transmutaram a reunião da ONU num espetáculo pouco útil aos interesses do planeta, porém ao gosto da indústria de ONGs e empresas que se beneficiam da paranoia em torno do assunto. Mas atropelos e desencontros da reunião de Copenhague não significam que o mundo está irremediavelmente fadado ao cataclismo. O mundo não vai acabar desta vez. O que acabou foi a COP15, uma das reuniões de um processo de negociação que já se desenrola há dezessete anos. Tudo o que não ficou decidido ali estará em discussão novamente em 2010, na COP16, que acontecerá em dezembro, no México. De qualquer modo, foi um fim melancólico.
Para que a conferência fosse bem-sucedida, seria necessário ter passado a limpo cinco itens de sua agenda. Até o encerramento desta edição de VEJA, na sexta-feira à noite, ainda havia muitas dúvidas. O único acordo claro deu-se em torno do que já se sabe à exaustão: é preciso limitar o aumento da temperatura global, e esse limite é de 2 graus. Mas tudo o que precisa ser feito para que isso aconteça ficou para depois.
n A segunda questão-chave para o sucesso da reunião era trazer os EUA, o segundo maior emissor de gás carbônico do mundo (foram ultrapassados pela China), para dentro do acordo que impõe metas obrigatórias e de médio prazo aos países. Os EUA, que não assinaram o Protocolo de Kyoto, seguiram sem ceder nesse ponto.
n Outra esperança da reunião era que países emergentes, como China, Índia e Brasil, também fossem obrigados a reduzir o crescimento de suas emissões, já que em Kyoto não lhes fora imposta nenhuma meta. A maior dificuldade nesse caso foi a recusa, principalmente da China, em permitir que outros países fiscalizassem suas ações internas de redução das emissões de gases do efeito estufa.
n Também se tentava fazer com que os países desenvolvidos que aderiram ao Protocolo de Kyoto continuassem comprometidos com a redução das emissões, e a ampliassem. Isso para fazer frente às novas descobertas da ciência, segundo as quais, na metade deste século, o mundo não poderá estar arremessando na atmosfera mais do que 60% dos gases de efeito estufa que emitia em 1990. Tampouco se decidiu algo de concreto nesse ponto.
O maior avanço deu-se no aspecto financeiro. Foi decidida a criação de um fundo de 100 bilhões de dólares por ano, a ser investidos até 2020 em ações para que os países que estão condenados a sofrer os trágicos efeitos do aquecimento possam se adaptar. É uma quantia suficiente pelo menos para começar o trabalho.
Parte do fracasso da COP15 deve-se ao complicadíssimo rito das reuniões da Organização das Nações Unidas, que precisam conciliar os interesses de quase 200 países, costurando as questões políticas e econômicas. A ideia de que os países partirão para a cruzada sem antes prestar atenção a seus interesses nacionais não se sustenta. "É preciso entender que essa discussão é eminentemente econômica. O que os países têm em mente é o que acontecerá com sua economia se eles se impuserem uma meta de redução de emissões muito ousada", disse a VEJA um dos envolvidos na negociação e integrante da delegação brasileira. É isso que está contido em cada linha dos vários documentos paralelos que circularam na reunião, cada um com uma nova proposta para solucionar o impasse.
Os entraves enfrentados em Copenhague são os mesmos que se podem esperar nas negociações futuras. Um dos principais é a recusa dos países emergentes em se diferenciar dos países pobres, estes, sim, necessitados de dinheiro para dar conta de sua tarefa. A maioria dos emergentes foi para a conferência tentando pegar carona na pobreza da África para também tungar os ricos. Ninguém discorda de que os países que estiveram à frente na Revolução Industrial poluíram mais o ar do que outros. Mas a responsabilidade maior não significa colocar dinheiro a fundo perdido sem a possibilidade de fiscalização na aplicação dos recursos. Além disso, por menos que tenham emitido fumaça, esses países também tiveram uma parcela de responsabilidade. No caso brasileiro, calcula-se que 2,8% do CO2 na atmosfera seja verde e amarelo. E o Brasil finge que não vê essa realidade. Reputa suas metas a uma posição nacional desprendida.
A expectativa em torno de resultados revolucionários na COP15 começou há um ano, no início do governo Obama. Havia a impressão de que sua política para o clima seria um enorme avanço em relação à de seu antecessor, George W. Bush, que não ratificou Kyoto. Mas a maior democracia do planeta se comporta como um transatlântico que navega sem ser afetado pelas ondas. O que o governo americano fez foi oferecer metas de redução sem aceitar associar-se a nenhum acordo que se pareça com o Protocolo de Kyoto. Uma diferença brutal em relação ao discurso do presidente brasileiro. Lula declarou, sem consultar o Congresso, sua base política e sem ter falado sobre isso em seu país, que estaria doando mais dinheiro para o combate ao aquecimento, o que não passa de uma bravata internacional. A participação brasileira na conferência foi modesta, ao contrário do que a desenvoltura com que o presidente se movimentou diante das câmeras fez parecer. Mais da metade da delegação oficial de 700 pessoas foi passear na Escandinávia e tentar fazer negócios aproveitando-se da moda ambiental.
Fotos/Powel Kopczynski/Reuters |
EM VÃO |
As lições da COP15 serão duras. Juntar 120 chefes de estado para assinar o fracasso foi um marco nas relações internacionais. Um fiasco que se tornou ainda mais vergonhoso diante das cenas de tumulto e desorganização. Mais de 100 000 pessoas, de aproximadamente 500 ONGs ligadas à causa ambiental, promoveram manifestações para pressionar os líderes mundiais por um acordo. A polícia reprimiu os protestos de forma truculenta, e as imagens de manifestantes arrastados, sendo espancados ou com o rosto coberto de sangue correram o mundo. Num único dia, mais de 900 ativistas foram detidos. Além disso, a conferência sofreu com a desorganização. Havia cerca de 45 000 pessoas no centro de convenções, cuja capacidade é de 15 000. Por causa da superlotação, a segurança teve de limitar o acesso ao local. Cenas assim é que fazem aumentar o ceticismo sobre os riscos do aquecimento global. O instituto Gallup pesquisou a opinião dos americanos sobre o assunto e encontrou uma tendência de aumento no número de pessoas que acreditam que as notícias que leem nos jornais acerca do tema são exageradas. Em 2006, 30% tinham essa opinião. Hoje, essa avaliação é feita por 41% dos entrevistados. Copenhague, além de não ter avançado nas tarefas objetivas a que se propunha, pode ter atrapalhado a causa ambiental.
Fotos Ricardo Stucker/PR e INTS Kalnins/Reuters |
PALANQUE GLOBAL Lula e a comitiva do Brasil (à dir.) e Hugo Chávez (ao lado): o brasileiro defendeu os países subdesenvolvidos; o venezuelano, para variar, atacou os Estados Unidos |