Política
Dia difícil Míriam Leitão
O GLOBO
A segunda-feira, primeiro dia de junho, começou com as notícias do desaparecimento de um avião e da maior concordata da história da indústria no mundo. Duas tragédias, uma delas anunciada. A crise econômica não produziu a quebra da General Motors, apenas a revelou. No voo, com passageiros do mundo inteiro, a dificuldade era contactar todas as famílias antes da lista final.
Uma segunda difícil, com tragédias humana e econômica. O presidente Barack Obama disse que será um "doloroso renascimento" para a GM. Mesmo sendo uma notícia com dia marcado, a concordata impressiona. A GM sempre foi um símbolo do capitalismo americano. De 1931 a 2007, foi a maior produtora de automóveis do mundo. Só no ano passado perdeu o posto para a Toyota.
No Brasil, comemorou-se o fato de que a produção industrial subiu 1,1% em abril, na comparação com março; mas o que espanta é a queda de 14,8% frente a abril do ano passado. O país produziu neste mês 15% menos do que em setembro de 2008.
Nos Estados Unidos, o que se falou oficialmente é que a concordata será uma grande oportunidade para a empresa se recuperar, e que todos - governo, agora dono, e setor privado - acham que será uma recuperação rápida. A verdade é diferente da esperança. Os processos de concordata são imprevisíveis, podem durar anos, a recuperação pode acontecer ou não. Afinal, o dinheiro do contribuinte não pode fazer tudo. As vendas da empresa precisam aumentar, e os consumidores têm várias opções de concorrentes, que, neste momento, estão fazendo de tudo para sobreviver à crise.
A GM, que fez parte da formação da elite operária americana, os blue-collars, vai demitir 20 mil trabalhadores. Mas isso não é tudo. Cada emprego no chão de fábrica representa vários outros empregos na cadeia movimentada pela indústria. Por isso, é que a especialista Tereza Fernandes, da MB Associados, calcula que pelo menos 60 mil pessoas podem perder o emprego nos Estados Unidos em função desse processo de concordata e que pelo menos 1.000 concessionárias fecharão as portas.
- Isso mexe com toda a cadeia produtiva, inclusive para trás. O setor de autopeças, por exemplo, perderá demanda de um grande comprador. Com a crise, o setor já está tendo dificuldades de antecipar recebíveis. Agora, ficará ainda mais difícil - afirmou.
Tereza nos disse aqui na coluna, há mais de um mês, que nem o super-homem teria poderes para impedir a concordata da GM. Obama jogou todo o poder que tem para mantê-la viva.
Depois dos US$20 bilhões que já foram postos na empresa, o governo fará novo aporte de US$30 bilhões. Da concordata, ela sairá "mais magra e mais forte", disse ele. Mais magra certamente; mais forte, só o futuro dirá.
Para o coordenador do Centro de Estudos Automotivos (CEA) Luiz Carlos Mello, a quebra da GM aconteceu por um problema de gestão. A empresa investiu tempo demais em carros caros e pouco econômicos, enquanto os europeus e japoneses já tinham visto que o mundo havia mudado:
- O que estamos vendo é resultado de uma certa arrogância que vinha de sua liderança incontestável desde o início do século passado. A empresa tinha muitas marcas, produtos que competiam entre si. Além disso, apostou em veículos caros e pouco econômicos. A Toyota já vendeu 1 milhão de carros híbridos nos EUA, que usam gasolina e energia elétrica.
A GM do Brasil faz parte da empresa boa, mesmo assim, enfrenta um problema: a tecnologia utilizada na fabricação dos carros brasileiros vinha da Opel, uma subsidiária da GM na Europa, e que foi vendida para a Magna. Na prática, é como se a GM do Brasil tivesse perdido sua fonte de tecnologia. Agora, as duas empresas terão que descobrir o futuro dessa parceria.
Inúmeros países do mundo são afetados pelo que acontece na GM. Luiz Carlos Mello acha que o Brasil está preparado para fornecer novos modelos, menores e mais econômicos. Para o professor José Goldemberg, da USP, Obama pode utilizar a GM para implementar um novo modelo de fabricação de carros, que tenham melhor desempenho e menor consumo. Uma das medidas que podem ser tomadas é aumentar a mistura de álcool na gasolina. Hoje, o mercado americano mistura cerca de 10%, enquanto o mercado brasileiro mistura 25%.
- Os produtores americanos não conseguirão atender à demanda. Isso pode significar uma abertura de mercado para o álcool brasileiro nos EUA - apontou.
Se houver brechas pelas quais possamos entrar, ótimo. Mas a concordata da GM vai derrubar um pouco mais o emprego, a renda, e a produção industrial americana. A Bolsa americana que subiu ontem, puxada por outros indicadores, perdeu dois símbolos no mesmo dia: a GM saiu do índice das 30 blue chips - na qual estava desde 1925 - e o Citibank deixou de constar do índice Dow Jones.
Por mais dura que seja a tragédia econômica, ela foi ao longo do dia sendo vista como a solução que evitou o pior, que seria a falência da GM. Já na tragédia do voo 447, a tênue esperança do começo do dia desapareceu do radar. Dia difícil.
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