Dois tempos Míriam Leitão
Política

Dois tempos Míriam Leitão




O Globo - 19/11/2008

O descompasso entre a economia internacional e a brasileira leva a interpretações erradas. E pior: decisões erradas. As vendas do comércio em setembro foram altas e parecem confirmar a idéia de que somos inatingíveis. Não somos. As vendas de carros estão despencando, e isso faz Brasília reagir como se o país estivesse em recessão. Não estamos. Brasil e mundo vivem momentos diferentes da crise.

As vendas de carros continuam em queda e o presidente da Fenabrave, Sérgio Reze, acha que novembro fecha pior do que outubro, que já teve queda de 13,8% em relação ao mês anterior. Mas o setor cresceu 32% no primeiro quadrimestre e terminará o ano com forte crescimento ainda. Hoje sairá o desemprego de outubro, em queda para 7,3% segundo previsão do CSFB. O Brasil está com dados conflitantes, do momento de passagem entre um ritmo e outro.

O país entrou neste ano acelerando muito, mas a economia americana já havia começado a ser afetada no ano passado pela crise do subprime. Estava escrito que a crise financeira chegaria à economia real e isso nos afetaria. A quebra do Lehman Brothers precipitou tudo e provocou o colapso do mercado de crédito no mundo a partir de setembro. Em seguida, o Brasil foi sacudido por uma onda formada aqui mesmo, a dos derivativos cambiais.

Ontem, o IBGE divulgou a Pesquisa Mensal de Comércio, mostrando que continuam aumentando as vendas do comércio varejista até setembro. Naquele mês, em São Paulo, por exemplo, o aumento sobre setembro do ano passado foi de 12,3% no volume de vendas, e o acumulado do ano no Estado foi de 13,9%. O Bradesco divulgou ontem que o crédito à pessoa física termina o ano com alta de 14,5%. Nada é crise, mas é retrato do passado. Para o CSFB, em outubro, as vendas de varejo serão negativas, como já aconteceu com vendas de carros, que caíram 2,1% em relação a outubro de 2007. Em setembro, o crescimento comparado ao mesmo mês do ano passado havia sido de 31,7%.

Mas os dados de outubro da produção industrial vão assustar, porque mostrarão, segundo a MB Associados, os efeitos da "parada brusca" do quarto trimestre deste ano. Eles apostam num número negativo de 1,5% na comparação com setembro e de alta de apenas 1,2% em relação a outubro do ano passado. O dado só sairá no mês que vem. Para a MB, todo o último trimestre do ano deve ter produção industrial negativa.

As vendas de varejo, que vieram tão bem até agora, com crescimento de 8% no volume e de 13% em receita nominal, podem ter, na opinião da Mendonça de Barros Associados, um turning point em outubro, com quedas na comparação com o mesmo mês do ano passado.

Apesar disso, não será ainda uma crise como a vivida nos Estados Unidos. A de lá começou há mais tempo e a economia tem outra dinâmica. Os consumidores americanos sustentavam seu consumo na valorização do imóvel, e essa mágica acabou. Pelo contrário, começou a ocorrer o efeito inverso. As prestações aumentaram e o patrimônio encolheu.

Não é esta a natureza dos nossos problemas. O Brasil vive um encurtamento do crédito - que aliás sempre foi curto e caríssimo - e esse fenômeno está reduzindo fortemente o ritmo de crescimento das vendas. Mesmo assim, o Bradesco está prevendo um crescimento de 14,5% do crédito à pessoa física no ano. A MB Associados acha que cresce 9%.

Confira, no gráfico abaixo, as previsões de vendas de automóveis de 2008 e 2009 da MB Associados. Não se prevê queda nas vendas no ano que vem, nos vários setores, e sim uma redução do crescimento. Todo esse reforço de crédito que o governo tenta liberar para o consumo de veículos só faz retardar o lado bom de uma redução de demanda: a queda dos preços. Lá fora eles despencam tanto, que economistas discutem o risco de deflação. Aqui não há queda de preços. A MB prevê inflação dentro da meta, mas ainda alta, com menos espaço para reduzir mais a taxa de juros.

O primeiro trimestre do ano que vem será mais difícil, principalmente se o Natal for fraco e as empresas acumularem estoques. Haverá uma pressão sobre o governo por abrir o caixa dos bancos públicos para manter o consumo, e quem tiver mais poder de lobby terá o quinhão maior do balcão dos favores. O ideal seria o governo ter estratégia, indicadores antecedentes e uma visão precisa da diferença de natureza da nossa crise e da deles; fugindo tanto da síndrome da marolinha quanto da síndrome do tsunami.




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