O setor bancário entrou em efervescência desde que dois grandes bancos anunciaram sua fusão. É complexo juntar as operações, mas os dois têm prática nisso. Outros movimentos surgirão, de outras instituições, mas a dúvida é: os bancos voltarão a emprestar? Há vários setores de consumo que dependem de crédito, há investimentos planejados precisando de crédito. E há essa incerteza no ar!
O BC pode até punir bancos que não comprem carteiras, mas não tem instrumentos para obrigá-los a conceder crédito. O país está dentro de uma armadilha que faz com que, em momentos de incerteza, os bancos sejam naturalmente mais cautelosos. Mesmo quando a autoridade monetária aumenta a oferta de liquidez, o dinheiro não circula.
A crise alterou o quadro em todos os setores da economia, raramente para melhor. No setor de bens de capital, a situação é de completa incerteza: não se sabe quanto dos investimentos públicos e privados serão realmente feitos, mas já se sabe que a maioria do que estava programado ainda não está financiado.
No setor de petróleo, que representa uma parte grande do PAC e que encomendaria muitos investimentos ao setor privado, mudou tudo com a queda dos preços. Todas as contas sobre viabilidade de investimentos precisam ser revistas pela cadeia que vai da grande estatal até a todos os seus contratados e fornecedores.
As férias coletivas da Vale do Rio Doce são apenas uma ponta do enorme iceberg de empresas com dificuldades concretas agora. Uma grande siderúrgica brasileira está simplesmente sem encomendas até o fim o ano. A Vale está parando porque as siderúrgicas que tinham planos ambiciosos estão ficando sem clientes, porque a indústria consumidora de aço vinha num ritmo acelerado de produção e terá que reduzir bruscamente.
Alguns indicadores não mostrarão isso, como os divulgados ontem pela CNI. Outros já serão mais o retrato da transição, como a queda de produção e venda de carros, que a Anfavea divulga amanhã. A indústria automobilística cria círculos. Agora, é a hora do vicioso: quando reduz a produção, impacta a siderurgia, a petroquímica, o vidro e vários outros. É por isso que ela vai ao governo pedindo ajuda sempre. Como 70% das vendas de carros são financiadas, eles querem mais financiamento.
O consumidor brasileiro já mudou seus hábitos. Sabe que precisa escolher onde vai gastar, faz contas, deixa o que é desnecessário de lado. Os hábitos mudaram. Os tempos são outros. Os brasileiros, que já passaram por diversas crises e pela hiperinflação, sabem que precisam ter cuidado nestes momentos.
Os supermercados começaram a sentir em setembro, mas principalmente em outubro, a mudança. Em setembro, as vendas caíram em relação a agosto. Em outubro, as vendas foram menores, mesmo com o Dia da Criança.
- Os consumidores estão bem informados. Todo mundo já sabe da crise e está pondo o pé no freio. A crise vai continuar afetando as vendas - diz o presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), Sussumu Honda.
Outro setor que perde com a crise é o de entretenimento. Os setores ligados ao turismo podem ter a vantagem cambial, que redirecione para o Brasil os turistas que sairiam e atraiam mais turistas estrangeiros. Mas em ambiente de crise econômica, o consumidor tende a cortar no que considera "supérfluo" e o turismo é um desses - no início, com a alta do dólar, as vendas de pacotes externos caíram 30%. A distração, a atividade do fim de semana, tudo acaba sendo substituído. A empresária Cláudia Alves é dona de uma casa de espetáculos com restaurante no Centro do Rio de Janeiro, o Trapiche Gamboa. A receita caiu nos últimos dias e já teve mudança no comportamento dos clientes.
- As pessoas estão preocupadas com a situação econômica. Quem vinha toda semana, agora aparece de 15 em 15 dias.
Cláudia também é consumidora e está comprando menos. Já sentiu aumento no preço de alimentos. Na conversa com os fornecedores, todos dizem que as vendas caíram.
- Estamos diminuindo gastos, diminuindo funcionários. Não demiti ninguém, mas não chamo mais os free-lancers para os dias de maior movimento. Ninguém sabe como vai ser essa crise.
Até a crise estourar, havia um aumento no consumo, em quase todas as áreas, motivado por três fatores: aumento na renda, crédito mais fácil e em maior volume e confiança do consumidor em alta. Depois da crise, o crédito está mais escasso e a confiança do consumidor vem diminuindo.
Uma parte das vendas de supermercados se mantém porque certas compras, como a de alimentos, não deixam de ser feitas. Outras, porém, serão adiadas, como eletrodomésticos e eletroeletrônicos. Com a alta do dólar, esses itens vão ficar mais caros. Neste caso, até os hortifrutigranjeiros podem subir de preço.
- O setor de supermercados está passando pela segunda crise este ano. A primeira foi a elevação dos preços por causa da inflação. Em 2009 não teremos o mesmo ritmo de consumo e o setor deve crescer mais próximo do PIB - acredita Honda.
A economia é feita de elos ligados entre si. Um setor atinge o outro. Estamos no meio de uma reversão de tendências. Ainda não se sabe o tamanho do estrago.