Até mesmo o experiente secretário-geral da Mesa Diretora da Câmara dos
Deputados, Mozart Vianna, acompanhando as votações em Brasília há
cerca de 20 anos, está espantado: vai se reduzindo a cada votação a
capacidade de mobilização da bancada contrária ao projeto de
iniciativa popular conhecido como Ficha Limpa, que torna inelegíveis
por oito anos políticos com condenação por um colegiado na Justiça em
função de crimes dolosos.
O deputado Chico Alencar, do PSOL do Rio, um dos primeiros a aderir à
proposta, atribui essa mudança a uma mistura explosiva: a pressão da
opinião pública, principalmente através da internet, e a proximidade
das eleições.
As resistências ao projeto, quando ele chegou à Câmara, há sete meses,
eram "imensas e claramente majoritárias", lembra.
É interessante relembrar a trajetória desse projeto, que encarna com
perfeição a capacidade de atuação da sociedade civil sobre os chamados
"representantes do povo".
Maria Aparecida Fenizola, vice-presidente do Instituto de
Desenvolvimento de Estudos Político-Sociais e professora aposentada de
78 anos, esteve no centro da iniciativa popular que chegou ao
Congresso com cerca de 1,3 milhão de assinaturas recolhidas nas ruas
do país.
A questão colocada pelo projeto de lei de iniciativa popular, figura
criada na Constituinte de 1988, é: por que uma pessoa é impedida de
fazer concurso público se tiver antecedentes criminais de alguma
espécie, mesmo sem trânsito em julgado, e pode se candidatar e assumir
um mandato eletivo? Várias tentativas já foram feitas para impedir
candidatos que respondem a processos de participarem das eleições, mas
esbarram sempre na exigência da lei complementar das inelegibilidades
de que todos os recursos tenham sido esgotados para que o candidato
seja impedido de concorrer ou mesmo de tomar posse.
Em dezembro do ano passado, participei de um debate no auditório do
GLOBO sobre corrupção, em que o projeto Ficha Limpa era o destaque ,
pois acabara de ser enviado à Câmara.
Rosangela Giembinsky, Coordenadora da ONG Voto Consciente, e Maria
Aparecida Fenizola estavam muito esperançosas de que ele tivesse
efetividade, ao contrário dos outros debatedores, inclusive o senador
Pedro Simon, que chegou a dizer uma frase desanimadora, que registrei
na ocasião aqui na coluna: "Depende mesmo de vocês a mudança na
política, a pressão dos movimentos é imprescindível, porque do
Congresso é que não virá a solução. De onde menos se espera, daí é que
não sai nada mesmo." Foram citados diversos exemplos de processos pelo
país que estão em curso, impedindo que centenas de vereadores e
prefeitos continuem em atividade, e as duas jogavam suas apostas nos
avanços tecnológicos que estão permitindo que o processo de informação
do cidadão aconteça hoje com muito mais rapidez e eficiência.
O projeto de lei do Ficha Limpa incomoda, sem dúvida, a maioria dos
deputados, inclusive parte grande dos que se dizem de esquerda.
O deputado petista José Genoino, envolvido no escândalo do mensalão,
por exemplo, é dos que o classificam como sintoma da "judicialização
da política" e veem nele um "viés autoritário".
A pressão que os deputados estão recebendo já fez com que muitos
deles, inclusive Genoino, passass em a votar contr a as emendas que
tentam desfigurar o projeto.
As caixas postais dos deputados recebem cerca de mil postagens/dia em
defesa do projeto, junto com o aviso sobre as eleições que estão
chegando.
Ainda assim, tanto na Comissão de Constituição e Justiça quanto em
plenário, os partidos de bancadas fortes (PMDB, PP, PTB e PR) tentam
resistir.
Para surpresa dos apoiadores da proposta, que se julgavam minoria, a
cada votação nominal o grupo dos "contra", lutando pelos interesses
corporativos, está desidratando.
Deputados que se dizem a favor do projeto apresentam alterações que, a
pretexto de aperfeiçoálo, objetivam na verdade inviabilizá-lo sem
expor as reais intenções de seus defensores.
Mas diversas organizações da sociedade civil estão atentas às
atividades dessas "excelências", e seus nomes estão sendo expostos na
internet.
Várias emendas desse tipo estão sendo derrubadas, uma a uma. Ainda
faltam sete, e todas as votações são nomimais. A quem defende a
proposta cabe assegurar 257 votos a favor em cada aferição, o que não
é fácil.
O mais recente obstáculo, que desfigurava o projeto Ficha Limpa, foi
derrubado na quarta-feira na Câmara dos Deputados por 377 votos a 2.
O destaque, apresentado pela bancada do PTB, retirava do texto a
exigência de condenação por colegiado e valeria apenas para os
condenados em instâncias superiores.
O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) propõe a derrubada
de todos destaques e está intensificando a pressão para esta semana
final de votações.
Uma emenda que tem a simpatia dos ruralistas suprime a inelegibilidade
derivada de crimes ambientais.
A batalha que se trava na Câmara vai se transferir para o Senado, em
seguida, e uma questão relevante é que, na interpretação da OAB, o
projeto precisa ser aprovado até 5 de junho para ser aplicado na
eleição deste ano.
Os políticos que são favoráveis a uma reforma política estão vendo
sinais de que talvez seja possível pressionar com os mesmos
instrumentos a próxima legislatura, a ser eleita na esteira da
sucessão presidencial.