O Estado de S.Paulo - 20/05
Uma semana de dúvidas no Brasil, sem falar na irracionalidade europeia. O modelo de sustentação do crescimento via mercado interno estaria se esgotando e o governo já admite um PIB de 2,7%. Afinal, em março, as vendas no varejo aumentaram apenas 0,2% sobre o mês anterior. Esperava-se mais em maio, mas até agora as previsões não se confirmaram. Isso levou alguns economistas, como Delfim Netto, a falar em "esgotamento"do modelo. Será?
Pode crescer, sim. Para a coluna, é uma previsão precipitada porque há espaço, sim, para maior expansão do mercado interno e o governo mudou as metas nas últimas semanas. A nova meta, afirmou a presidente Dilma Rousseff, é crescer oferecendo mais recursos às classes de menor renda, que reanimarão a economia com mais consumo. É uma meta urgente porque a criação de novos empregos já recua 20% e é possível também porque há sinais de inflação acomodada, ligeiramente inferior a 4,5%, e o governo pode usar dos recursos disponíveis para investir.
O que o governo anuncia. Além disso, o ministro Guido Mantega reafirmou esta semana aos empresários com os quais se reuniu para sentir o ânimo pouco animado do mercado: o governo tem instrumentos prontos e vai agir para estimular produção, emprego e demanda. Mantega não os mencionou, mas entre os instrumentos estão aumento do crédito; juros reais abaixo de 4%; e desonerações eletivas.
Sem medo de inflação. Esse risco parece afastado no momento. O efeitos do câmbio sobre os preços internos estão sendo atenuados pelo recuo da cotação das commodities e a desaceleração da conturbada economia mundial. Além disso, há sinais de que a inflação perde fôlego ajudada pela safra da produção de alimentos, que, mesmo ligeiramente menor, atende plenamente à demanda. O recuo dos preços das commodities no mercado externo significa maior oferta no mercado interno.
A bala de prata. Se tudo não der certo mesmo, se mais crédito em condições melhores, mais renda, menos juros, novas desonerações e mais estímulos à demanda não animarem a economia, o governo dispõe ainda de uma "bala de prata" no gatilho: redução do superávit primário, hoje de 3,1% do PIB, para aumentar despesas e investimentos e levar o crescimento para até mais de 3%.
A bala herege. Mas, não seria uma "bala herege"? Afinal, custamos tanto para chegar aos 3,1% e reduzi-lo não nos levaria de volta a um passado de desordem fiscal que foi superada com muita coragem no governo Fernando Henrique Cardoso? Não. Seria uma medida extrema, sim, mas já em discussão entre os economistas: "ajustamentos cíclicos". Ou seja, economizar mais quando a economia cresce mais, e menos, quando recua. O economista Ilan Goldfajn, em artigo no Estado, levanta corajosamente a tese. Por que poupar mais quando há menos recursos e risco de recessão?
Mais qualidade. O economista da Tendências Consultoria Felipe Salto volta ao assunto com uma variação: o superávit primário poderia ou não ser reajustado pelo ciclo econômico. Ele defende as regras atuais de metas anuais para o superávit primário, mas incluindo "critérios qualitativos" na despesa pública. Salto expôs esse ponto de vista em artigo no caderno de Economia do Estado, na sexta-feira, com o instigante título "Meta cumprida, crescimento garantido?"
Mais ousadia. Em conversa com a coluna ele afirma que "acredita que o governo precisaria ter metas de superávit primário mais ambiciosas, podendo ou não ser ajustadas pelo ciclo. "Meu ponto é defender a inclusão de metas qualitativas, no âmbito da despesa pública. Isso permitiria ampliar os investimentos, para um mesmo nível de superávit primário", afirma ele à coluna.
"Alternativamente, o espaço gerado pela limitação ao crescimento da despesa com pessoal poderia ser utilizado para produzir resultados primários mais elevados, permitindo maior redução dos juros sem pressionar a inflação", complementa.
Vendo as medidas adotadas por Dilma nos últimos dias na previdência pública e obrigando os funcionários a revelarem seus vencimentos, não é esse o caminho que o governo está fazendo? A conclusão é que a economia pode crescer mais de 2,7% este ano, sim. O consumidor só espera decisões mais rápidas e mais estímulos. E continua confiando.