O Estado brasileiro não afastou o perigo de um novo grande descontrole
das contas públicas no próximo governo
NO BRASIL , comemoramos uma década da lei complementar 101, de
4/05/2000, que travou os limites da irresponsabilidade dos governantes
no trato do dinheiro público. Enquanto isso, a Grécia é um país que
enfrenta compromissos impagáveis, recorrendo à ajuda do FMI e dos
vizinhos da União Europeia. Quanta diferença! Não se brinca com
despesa nem dívida públicas.
Não existe país imune ou acima de riscos de desequilíbrio
orçamentário. Sempre haverá um dirigente capaz de jogar para o futuro
a conta das loucuras do presente.
Na Grécia, a surpresa foi ainda maior pelo desconhecimento geral,
inclusive das autoridades europeias e das agências americanas de
"rating", sobre a parte escondida dos compromissos financeiros do
governo grego.
Lá, a dívida pública se aproxima dos 200% do PIB. Mas a conta
verdadeira ainda está por ser revelada. É que a sociedade grega,
famílias e empresas, também deve muito aos bancos, que se financiam em
outros bancos fora da Grécia, na Alemanha, na Espanha, na França,
assim espalhando a corrente de papagaios a vencer no curto prazo.
Os governos da Europa e o FMI correram para dar suporte aos pagamentos
mais urgentes, num valor assombroso de 50% do PIB grego.
Quando o Brasil enfrentou sua última grande crise, pegamos no exterior
perto de US$ 50 bilhões. Na proporção do atual resgate grego, seria
como se tivéssemos tomado emprestado, em 2002, cerca de US$ 250
bilhões. Com tal número, mesmo com a sorte que tivemos nas
exportações, e não foi pouca, teríamos quebrado, sem conseguir
acumular reservas.
Emprestar todo esse dinheiro aos gregos é solução de desespero. A
explicação está na fragilidade do próprio sistema bancário mundial. Os
governos dos EUA e da Europa temem o contágio do risco, seguido de
outro grande ataque especulativo mundial.
Fazemos bem de comemorar a responsabilidade fiscal no Brasil.
Responsabilidade é sinônimo de prosperidade. E, se a responsabilidade
vier com eficiência fiscal, aí então o Brasil passará de emergente a
nação madura. Essa meta é possível e não está distante, embora os
números recentes do comportamento fiscal de 2010 apontem na direção
oposta ao equilíbrio. O deficit primário de abril, ou seja, antes de
começarmos a pagar os enormes juros da dívida pública brasileira,
aponta a séria ameaça de retorno do fantasma do desgoverno.
Ainda dá tempo de segurar o deficit fiscal que ameaça comprometer uma
trajetória de sucesso no controle das contas públicas. A verdade é que
a lei de responsabilidade tem um furo.
Ela mesma, que obrigou Estados e municípios a pagar seus compromissos
de dívida e manter rígido equilíbrio fiscal, deixou a União sem um
controle específico da dívida bruta federal. Tampouco se exigiu o
cumprimento de um orçamento previdenciário, deixando como letra morta
no artigo 68 da lei, que previa um fundo previdenciário constituído
por ativos tangíveis.
Aos seus dez anos, a Lei de Responsabilidade Fiscal cumpriu o
compromisso do nome que ganhou, mas ainda não converteu tal
responsabilidade em mais eficiência no gasto e parcimônia na
tributação. O Estado brasileiro convive com o drama dos precatórios.
Tolera o atrelamento da dívida pública a maus indexadores, como o
IGP-M. E ainda não afastou o perigo de um novo grande descontrole das
contas públicas no próximo governo. Tudo isso é significativo risco de
crédito, agravado pelos respingos do sangue que ainda jorrará da
tragédia grega, daqui até 2011.