O socorro dos BCs
O INVERNO DO CRÉDITO
Por medo de um colapso da economia mundial,
os bancos europeus e americanos desconfiam
até de si mesmos. Só os BCs azeitam os mercados
Peter Morrison/AP |
100% DE GARANTIA A decisão da Irlanda de bancar todos os depósitos à vista provocou uma corrida para a segurança que abalou os países vizinhos |
Dinheiro é uma mercadoria como outra qualquer. Quando ele fica escasso por excesso de procura ou corte na oferta, seu preço sobe, da mesma forma que o de uma lata de azeite ou de 1 tonelada de minério de ferro nas mesmas circunstâncias. Na semana passada, como conseqüência imediata da crise em Wall Street, o dinheiro nos mercados financeiros mundiais estava caro e raro. Sem dinheiro ou com seu custo alto, as empresas tendem a desacelerar suas atividades, cancelar investimentos e adiar compras. Se essa situação perdurar meses a fio e a desconfiança se alastrar por todo um setor de atividades, este poderá entrar em colapso. E o que ocorre quando o problema afeta justamente aqueles que fornecem essa mercadoria chamada dinheiro, os bancos? O colapso prolongado do sistema bancário tem repercussões terríveis para toda a economia. Por isso, quando os bancos fecham as portas dos cofres e não emprestam dinheiro nem entre si, só existe uma entidade capaz de quebrar o gelo, os bancos centrais. Na Europa, nos Estados Unidos – e em grau menor no Brasil –, os bancos centrais entraram no mercado exatamente para fornecer o crédito mínimo necessário para manter a economia funcionando.
Um calafrio percorre a espinha dos agentes econômicos quando um banco desconfia de outro e paralisa o mercado interbancário, aquele em que, tratando-se de iguais, o dinheiro tem o menor custo possível. Ninguém conhece melhor as fragilidades de um banco do que outro banco – como diria o deputado federal Clodovil Hernandes, "boi preto conhece boi preto". Os bancos centrais trataram de "injetar liquidez" nos mercados. Eles abriram seus cofres aos bancos comerciais, aumentando as linhas de crédito, cobrando juros baixos pelos empréstimos e aceitando garantias antes consideradas inaceitáveis, como títulos de dívidas do crédito escolar, de financiamento de automóveis e do "auxílio à velhice". No fim da semana passada, 1 700 estavam na fila para ter acesso a essas linhas de crédito. "Se essas medidas não fossem tomadas, ocorreria uma tragédia, pois o mercado interbancário está efetivamente fechado", disse Michael Hartnett, estrategista da Merrill Lynch em Londres.
As empresas não-financeiras sofrem ainda mais. Na Europa, o dinheiro para empresas estava custando até oito vezes mais do que antes da crise. No Brasil, com o sistema bancário sadio, sem exposição a títulos imobiliários "tóxicos", a situação era bem mais amena. O dinheiro na semana passada estava 30% mais caro para empresas brasileiras de primeira linha do que antes do derretimento de Wall Street. Os bancos centrais não podem manter o crédito barato e farto por mais de um mês ou dois, sob pena de perder o controle da inflação. Nos casos de ameaça de crise sistêmica global, é preciso também que atuem em parceria e de comum acordo. O banco central da Irlanda permitiu que seus bancos comerciais anunciassem a garantia de 100% dos depósitos em seus cofres – a recomendação da União Européia é garantir no máximo 20 000 euros. O que houve? Uma corrida de correntistas de bancos ingleses e de outros países rumo à Irlanda, o que abalou ainda mais o mercado.