O governo desmatador
Levantamento mostra que os assentamentos do
Incra são os maiores agressores da Amazônia
Ronaldo Soares
Fotos Paulo Santos/Interfoto, Ed Ferreira/AE e Alan Marques/Folha Imagem |
GOVERNO X GOVERNO |
O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, divulgou na semana passada a lista dos 100 maiores desmatadores da Amazônia em 2006 e 2007. Quem lidera o ranking da motosserra? O governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, demonizado por dez em cada dez ONGs ambientais do mundo? Não. Quem destrói para valer a floresta é o governo federal – que deveria defendê-la. No topo da lista dos maiores desmatadores estão seis assentamentos do Incra, responsáveis pela derrubada de 223.000 hectares de floresta – uma área equivalente a uma cidade de São Paulo e meia. No total, os assentamentos são responsáveis por 20% de todo o desmatamento da Amazônia. O ingrediente novo – e muito bem-vindo – que a lista traz a público é que, pela primeira vez, alguém do governo apontou o próprio governo como um dos grandes patrocinadores da derrubada de árvores na região. O presidente do Incra, Rolf Hackbart, esperneou, com apoio do ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel. Alegou que a lista contém imprecisões sobre a localização dos assentamentos e o período em que a devastação aconteceu. Minc deu vinte dias ao Ibama para conferir as informações. Mas afirma que houve nos assentamentos um desmatamento muito superior ao permitido por lei. "Sabe-se disso há muito tempo, mas os governos sempre tentaram varrer essa realidade para debaixo do tapete", diz o secretário estadual do Meio Ambiente de São Paulo, Francisco Graziano, que inclui em sua afirmação o governo Fernando Henrique Cardoso, do qual participou como presidente do Incra, em 1995.
A lista foi elaborada na gestão da antecessora de Minc, Marina Silva. O objetivo inicial do levantamento, o primeiro desse tipo feito pelo governo, era propor ações na Justiça contra grandes desmatadores. Mas sua divulgação produziu outro efeito, mais importante: mostrou que a política fundiária praticada no Brasil, embora raramente contestada, é retrógrada e ineficaz. O modelo de reforma agrária em vigor é um estímulo ao desmatamento. Famílias de sem-terra são colocadas no meio da mata sem ter condições de se sustentar. Não recebem assistência técnica adequada para orientá-las sobre o uso da terra e o manejo florestal. Além disso, faltam equipamentos e infra-estrutura. Como mal conseguem produzir para a própria subsistência, os assentados, quando não vendem ou arrendam os lotes, acabam se tornando presas fáceis para madeireiras. Diz Minc: "O modelo atual inviabiliza economicamente os assentamentos e não protege o meio ambiente. Pode-se fazer reforma agrária com sustentabilidade".